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O CARACOL - XXI | Outono 2025

O CARACOL - XXI | Outono 2025

Momento para respirar 

Antes de imergir nas nossas propostas, ouçam e inspirem tranquilamente com Urgentemente, gravado ao vivo por A Garota Não 

1 - Acções da Rede e dos seus membros

Reunião Periódica de Coordenação e novo Círculo de Gestão

Dia 17 de Novembro realizámos a nossa última Reunião Periódica de Coordenação do ano, desta vez para sortear, entre os membros disponíveis, aqueles que irão integrar o Círculo de Gestão da Rede em 2026. Os novos membros são Alexandra Bordalo, Patrícia Tavares e Pascale Millecamps. Como suplentes estão João Wemans, Filipe Medeiros e Álvaro Fonseca.

Agradecemos à equipa anterior, nomeadamente a Ana Sardoeira, Ana Luísa Silva, Filipe Medeiros, Hans Eickhoff, João Wemans e Sofia Paredes todo o esforço realizado, desejando à nova equipa um bom ano de trabalho coletivo!

Encontro mensal do NL de Lisboa  

O encontro deste mês do Núcleo de Lisboa aconteceu sábado, dia 29 de Novembro, nos Jardins do Bombarda, numa parceria com a cooperativa cultural Largo Residências. O programa, com três momentos distintos, iniciou-se com a reunião do Núcleo, onde, após a habitual ronda de apresentações, foi feito um balanço do ano a programação já pensada para 2026. Seguiu-se o almoço convívio, no Restaurante Bambi Bambi, dentro dos Jardins.

À tarde, promovemos uma conversa em torno do tema “O que seria uma arte convivial? Perspectivas decrescentistas sobre as práticas artísticas”, tendo como interlocutores membros da cooperativa cultural Largo Residências (Sónia Sousa e José Luís Costa). Aproveitamos para resumir alguns dos tópicos que foram aflorados durante a conversa e disponibilizamos ainda a tradução para português do documento resultante de um projecto da artista e investigadora grega Alexandra Papademetriou, intitulado “Degrowth Toolbox for Artistic Practices” (Ferramentas Decrescentistas para Práticas Artísticas).

Não foi a primeira vez que o tema da arte foi abordado este ano pela Rede. Em Março, o Alcides Barbosa e o Carlos Soares participaram no espaço ‘Megafone Aberto’ do evento Uncover, promovido pela associação Gerador em Guimarães, onde abordaram o cruzamento entre a arte e o decrescimento com a proposta “Descolonizar o imaginário”. Em Abril, o tema foi retomado numa Conversa Decrescentista online a partir do tema “Arte - Descolonizar o Imaginário”, proposto pelo Alcides, de cuja apresentação recolhemos algumas características desejáveis para as práticas artísticas encaradas como ‘ferramentas conviviais’*, ou seja, promotoras da emancipação e do fortalecimento das comunidades, e, simultaneamente, alinhadas com os princípios e valores decrescentistas (ver também o documento “Ferramentas Decrescentistas para Práticas Artísticas”): autonomia criativa (técnicas acessíveis e materiais simples, permitindo que qualquer pessoa produza arte sem depender de grandes indústrias ou tecnologia sofisticada), colectividade e partilha (oficinas, ateliês comunitários e espaços abertos onde o conhecimento artístico é transmitido livremente, sem a necessidade de intermediários comerciais), expressão comunitária (criação de murais, performances coletivas e festivais locais que envolvem a participação direta da população), uso consciente de materiais sustentáveis (insumos locais e recicláveis, reduzindo o impacto ambiental e incentivando a criatividade na reutilização), ênfase no processo, não apenas no produto final (valorização da arte como experiência e aprendizagem, como alternativa à produção de obras vendáveis e massificadas), autogestão e descentralização da produção e distribuição artística (evitar a concentração da arte em galerias de elite e plataformas comerciais, promovendo redes alternativas de exposição e intercâmbio), diversidade e inclusão (evitar práticas que reforcem as desigualdades de género, raça e classe, promovendo uma pluralidade de vozes), redistribuição de recursos (incentivar práticas que garantam que os artistas menos privilegiados tenham acesso a materiais, financiamento e oportunidades), desmercantilização (práticas artísticas que não sejam orientadas pelas lógicas do mercado e da massificação, como trocas, doações e redes comunitárias).

Na conversa do dia 29 de Novembro, quer o José Luís quer a Sónia, descreveram os princípios funcionais e as actividades da cooperativa Largo Residências ao longo dos últimos anos, que reconheceram como estando alinhados com algumas das características enunciadas acima e com os valores decrescentistas. O José Luís destacou o facto de a cooperativa se assumir como espaço cultural e de solidariedade social, e de encarar a prática artística como forma de promoção da inclusão e participação comunitárias, na medida em que têm trabalhado em diálogo permanente com as pessoas (artistas ou não) dos territórios em que estão inseridos. Atendendo aos espaços que têm ocupado – espaços públicos abandonados (como um antigo quartel da GNR ou parte do terreno e edifícios do Hospital Miguel Bombarda, onde se encontram presentemente) – tem havido uma preocupação com a sua devolução ao usufruto da comunidade local e da população em geral, contrariando assim a tendência de privatização dos espaços urbanos. Estes processos resultaram, por um lado, de colaborações com instituições públicas ou camarárias, mas preservando, por outro, uma identidade própria baseada em processos de auto-organização e de sociocracia na tomada de decisões. A Sónia destacou que os Jardins do Bombarda constituem um ecossistema aberto à comunidade, assumindo-se como espaço que concretiza a utopia de dar primazia à colaboração e ao apoio mútuo na criação do tecido cultural da cidade, resistindo assim ao paradigma dominante da mercantilização, do produtivismo e do individualismo competitivo. Reforçou ainda dois outros aspectos que caracterizam o projecto: por um lado, a aposta no financiamento com a comunidade, promovendo o conceito de investimento social, e, por outro, a aposta na valorização da história e características do próprio espaço, envolvendo a comunidade local. Esse envolvimento tem consistido na organização em grupos de trabalho autónomos (que incluem quer artistas profissionais, quer membros da comunidade local) e na realização de assembleias, privilegiando a escuta e a aprendizagem no terreno, em vez de impor ‘soluções’ ou agendas pré-concebidas. Muitos destes processos e aprendizagens foram documentados no livro “Tomando as Ruas, Rompemos o Silêncio”, editado este ano pela Largo Residências.

As artes, tal como quaisquer outros campos de actividade humana, estão inseridas no mesmo paradigma societal dominante que privilegia o crescimento, a produtividade e a acumulação, em detrimento do bem-estar social e da sustentabilidade ambiental. Daí que muitas práticas artísticas obedeçam àquelas prioridades, convertendo-se em ‘ferramentas mercantis’ que alimentam e promovem o sistema do qual dependem para subsistir. Torna-se assim evidente que projectos como o que a cooperativa Largo Residências tem vindo a desenvolver estão claramente em contracorrente com o sistema mercantil e produtivista que domina na esfera da cultura e das artes, apostando em princípios e valores decrescentistas como a inserção no tecido socioeconómico do território, a aposta na auto-organização, na capacitação e inclusão da comunidade local e na solidariedade, demonstrando assim como as práticas artísticas conviviais podem contribuir para criar um outro modelo de cidade e de sociedade.

* Conceito central desenvolvido por Ivan Illich no seu livro “Tools for Conviviality” de 1973, onde defende a criação de ferramentas e sistemas técnicos que permitam a autonomia e a participação das comunidades (ferramentas conviviais), em contraste com a tecnologia industrial (baseada em ferramentas mercantis) que gera dependência e alienação.

Novo círculo: Degrowth Conference Portugal 2027

Para acompanhar a preparação da conferência “Territórios de transformação intersticial: práticas de decrescimento para uma civilização em colapso” que acontecerá em Portugal, em Junho de 2027, como evento satélite da Conferência Internacional que terá lugar em Cork, foi criado este novo círculo dentro da Rede.

2. Agenda da Rede

Contamos ter novidades durante o próximo mês...

3. Eventos externos em destaque

Conferência: A era do lixo 

A 3ª edição das conferências Ambientar-se, promovidas anualmente pelo Parque da Devesa do Município de Famalicão, teve como tema central a produção de resíduos. Com o título "ERA DO LIXO", esta conferência discutiu a relação entre a sociedade consumista e a gigantesca produção de lixo que lhe está associada.

A conferência teve três painéis, cada um deles com a exibição de filmes e o debate com a participação de convidados e convidadas. Os temas escolhidos foram "Resíduos: o lixo que fazemos” com a exibição da longa-metragem "Lixo Fora de lugar" de Nikolaus Geyrhalter. Seguiu-se o painel “Microplásticos: a água da vida contaminada”, com o debate inspirado por dois vídeos curtos: "Oceanos de Plástico" e "Upstream: Microplastics in UK rivers". No último painel, que contou com com Graça Rojão, da Rede para o Decrescimento, o tema foi "Redução do consumo: menos é melhor”, a partir do vídeo "Lowsumerism".

A organização desta iniciativa envolveu uma parceria que entre o Município de Famalicão e associações locais como a AVE - Associação Vimaranense de Ecologia, AREA - Associação Amigos do Rio Este, Famalicão em Transição, H2Ave, Vento Norte e YUPI.

Lançamento da Brava

A BRAVA é um centro de recursos que pretende fortalecer as lutas territoriais de defesa do território contra mega projetos extrativistas. Ajuda com acesso a apoio legal gratuito, com comunicação alargada, com documentação de apoio à interação com os poderes públicos e judiciais, com estratégia e outras necessidades que sejam identificadas a partir das bases. É também um fundo solidário, descentralizado, para ligar quem luta a quem pode apoiar financeiramente. Quer  contribuir para o fortalecimento das redes de resistência no país, acelerando as curvas de aprendizagem na defesa dos territórios e assim contribuir para a defesa do património natural e cultural do país contra um "progresso" inquestionado e avassalador para os ecossistemas e a viabilidade socioeconómica do interior.

Apoio ao cooperativismo em risco

Mais de meia centena de organizações e de 600 pessoas subscreveram a Carta Aberta que contesta a retirada do Estado da Cases - Cooperativa António Sérgio Para a Economia Social. Entre a lista de entidades subscritoras estão várias cooperativas e nas subscrições individuais encontram-se dirigentes cooperativos, ex-governantes, deputados, membros da academia, etc. 

Em causa está o anúncio relativo à retirada do Estado da posição de cooperador da CASES - Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, surgida na sequência da Resolução do Conselho de Ministros e tornada pública dia 28 de novembro deste ano, no contexto de uma reforma ministerial que visa extinguir várias entidades tuteladas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Para as entidades promotoras é manifestamente insuficiente a justificação avançada pelo Estado, que baseia essa decisão com o combate ao desperdício, poupança e eficiência no serviço público. Avançam ainda que, caso a medida se concretize, se irá traduzir no término da estrutura de régie cooperativa, ficando em risco o seu objeto que, estatutariamente, está definido como “fortalecimento do setor da economia social, aprofundando a cooperação entre o Estado e as organizações que o integram, tendo em vista estimular o seu potencial ao serviço do desenvolvimento socioeconómico do País, bem como a prossecução de políticas na área do voluntariado”, na concretização do papel do Estado definido na Constituição e na Lei de Bases da Economia Social. Com esta decisão, o Governo coloca em causa a existência da CASES, uma entidade fundamental para o setor da Economia Social em Portugal. Destacamos que será a primeira vez desde o 25 de abril de 1974 que o Estado não terá participação numa entidade com o fim específico de promover, gerir e fortalecer a Economia Social e o Cooperativismo. A Carta Aberta pode ser subscrita e está disponível aqui.

Lançamento do EJMapping

No passado dia 5 de dezembro de 2025, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, aconteceu o lançamento do projeto “EJMapping: Cartografias dos Conflitos de Justiça Ambiental em Portugal”. O encontro estimulou uma reflexão crítica e colaborativa sobre as lutas por justiça ambiental hoje, o papel das universidades na investigação engajada, e diferentes formas de participação no desenvolvimento do EJMapping ao longo do tempo.  O EJMapping propõe uma abordagem participativa e multidisciplinar que visa refletir sobre o significado de justiça ambiental em Portugal, analisar conflitos socioambientais em diferentes regiões e contribuir para a construção de soluções mais justas e sustentáveis. A equipa irá desenvolver um mapa nacional de conflitos ambientais, servindo-se de um inquérito nacional focado no período após 2017; e conduzirá estudos de caso aprofundados no Centro, Alentejo e Algarve, envolvendo diretamente cidadãs e cidadãos, instituições, associações e movimentos ambientais. O projeto assenta numa metodologia de contra-mapeamento, que valoriza o conhecimento das pessoas que habitam os territórios e a experiência direta dos impactos sociais e ecológicos de conflitos e injustiças ambientais. O projeto acontece no âmbito da Oficina Ecologia e Sociedade (ECOSOC) do CES. Para mais informações: ejmapping@ces.uc.pt

4. Dar a palavra

4.1 Centrais Fotovoltaicas a eito, por equipa Ccom

A transição energética é uma urgência planetária e, por arrasto, nacional. Nisso estamos de acordo. Não pode, porém, servir de desculpa para mais uma espoliação dos recursos de zonas rurais já fragilizadas.

No caso da Beira Baixa, as duas mega-centrais fotovoltaicas - Beira e Sophia - que pretendem vir a instalar-se configuram um saque. Chamam-lhe energia verde, o que é um eufemismo para camuflar o negrume que será derramado em centenas e centenas de hectares. Segundo os órgãos de comunicação social nacionais, que vão dando conta do que se passa nestas regiões, especialmente quando se trata de incêndios ou de outras tragédias, este será um dos maiores investimentos em energia solar realizados alguma vez em Portugal. 

Depois dos incêndios estivais anuais, da degradação ecológica provocada por culturas intensivas e dos eucaliptais, chegam agora as mega-centrais fotovoltaicas, espalhadas a eito, sem planeamento, ignorando os seus reais impactos económicos, ecológicos, agrícolas ou paisagísticos. Estas mega-centrais cobrirão centenas de hectares de solos florestais e agrícolas, afetarão ecossistemas que são reconhecidamente muito sensíveis e causarão interferências sérias no habitat de muitas espécies — incluindo a humana —, estimando-se uma perda da biodiversidade significativa. As mega-centrais estão previstas para áreas de elevado valor ecológico, onde, aliás, existem espécies em perigo. São zonas onde o despovoamento se irá intensificar.

Ao mar de painéis somam-se a erosão do solo, vedações, quilómetros de linhas de alta tensão e toda a parafernália associada a estes projetos. Centrais desta dimensão provocam aumento das temperaturas, impermeabilizam os solos e degradam um património que não só é importante hoje como será subtraído às gerações futuras.

A instalação das mega-centrais terá um impacto sério na destruição económica de espaços de produção de vida, fazendo tábua rasa dos direitos de quem aí vive e tenta resistir. Mais uma vez, são os mesmos territórios a ser dilapidados e a verem-se condicionados por toda a infraestruturação conexa a esta maré negra, como as novas linhas de Muito Alta Tensão.

Esta artificialização desregrada da paisagem irá torná-la repulsiva. Quem quer viver ou visitar uma paisagem assim?

Questionamos a dimensão das mega-centrais mas também a sua localização em zonas já de si muito sensíveis e a falta de democraticidade destes processos. Há hoje soluções cujos benefícios não servem apenas os investidores nas mega-centrais, mas distribuem-se pela comunidade mais directamente afectada. Há soluções que compatibilizam os objetivos da transição energética com a preservação do território. — Por que não estão a ser equacionados?

É importante apostar em formas mais descentralizadas de produção de energia, em vez dos mega projectos que levantam sempre problemas de escala, como são exemplo as comunidades de energia, beneficiando as pessoas e as regiões afectadas. É também importante procurar outros espaços, como por exemplo, a cobertura de edifícios ou em zonas industriais. 

Tudo isto não poderá ser alheio a uma reflexão profunda e uma transformação: temos de reduzir o consumo energético, como é óbvio.

Iniciativas como estas, lançadas de cima para baixo, não têm em conta os interesses da comunidade no presente e comprometem o seu futuro. Queremos uma transição energética justa, que respeite o território e quem o habita.

4.2  Mobilidade e decrescimento, por Patrícia Melo

No paradigma económico dominante, a mobilidade é simultaneamente tratada como necessidade social, e logo objeto de políticas públicas, e motor de crescimento económico. A perspetiva do decrescimento propõe uma rutura com este paradigma, deslocando o foco da mobilidade para a acessibilidade. Esta mudança exige repensar não apenas os modos de transporte, mas o próprio modelo económico e territorial.

1.      Como reduzir as nossas necessidades de mobilidade?

O paradigma económico dominante trata a mobilidade como resposta técnica às necessidades de deslocação das pessoas, sendo o papel das políticas públicas reduzir os tempos e custos destas deslocações. No entanto, o aumento da mobilidade, historicamente por via de investimento em modos de deslocação mais rápidos, não implica um aumento da acessibilidade, entendida como a capacidade de alcançar oportunidades, serviços, e direitos essenciais (e.g. emprego, saúde, educação, socialização, etc.), mas antes um aumento das distâncias percorridas, promovendo um modelo territorial altamente dependente do automóvel. Em resumo, o objetivo deve ser melhorar a acessibilidade e não a mobilidade.

Simultaneamente, é importante reconhecer que a mobilidade tem sido usada como motor de crescimento económico. As infraestruturas de transporte, nomeadamente infraestruturas rodoviárias, têm funcionado como estratégia de estímulo económico, assente numa aliança entre os setores imobiliário, construção civil, e financeiro. A expansão urbana difusa tem sido a contraparte territorial deste modelo económico, com fortes custos sociais, económicos e ambientais. Portugal é um caso exemplar de como a mobilidade rodoviária foi usada como motor de crescimento económico e de reorganização territorial. A forte expansão da rede de autoestradas foi apresentada como necessária para a correção de défices de acessibilidade regionais, justificando-se com ganhos de tempo, coesão territorial e competitividade económica. O resultado prático deste investimento rodoviário foi um modelo territorial disfuncional, caracterizado por suburbanização e expansão urbana dispersa, com esvaziamento do principais centros urbanos (Rocha et al., 2023; Rocha et al., 2025, Rocha, Melo e Proença, 2025), aumentando as distâncias casa-trabalho e dependência automóvel.

A perspetiva do decrescimento propõe um paradigma alternativo, em que mobilidade deve estar subordinada ao objetivo mais amplo de produzir acessibilidade. Esta ideia pode encontrar-se no pensamento de Ivan Illich (1976) sobre o efeito paradoxal da mobilidade motorizada: o aumento da velocidade acima de um certo limiar não aumenta, mas antes reduz, a acessibilidade, ao produzir maiores distâncias e uma reorganização espacial das atividades que torna a participação social menos equitativa e eficiente do ponto de vista do consumo de recursos (e.g., energia, solo).

Neste quadro, reduzir as necessidades de mobilidade deve ser um objetivo político, e exige um reforço das centralidades locais e economias de proximidade, com serviços essenciais acessíveis por modos ativos e transporte coletivo. Naturalmente, isto só será possível se as políticas públicas de ordenamento do território, em articulação com as políticas de transporte, forem reorientadas nesse sentido.

2.      Que modos de mobilidade e que infraestruturas deverão crescer ou diminuir?

O investimento em infraestruturas e modos de transporte deve focar-se em garantir acessibilidade suficiente, justa e compatível com os limites biofísicos. Isto implica repensar radicalmente os instrumentos de avaliação económica de investimento, baseados em abordagens neoclássicas centradas na maximização da poupança do tempo de viagem (ou seja, maximização da velocidade), que gera um forte viés a favor dos modos motorizados individuais. Ao invés, deve avaliar-se a decisões sobre investimento pela sua capacidade de redistribuir acessibilidade e conter dispersão urbana. Neste sentido, e considerando um contexto urbano e metropolitano, a prioridade deve ser investir nos modos ativos (caminhar e pedalar) e no transporte coletivo, e garantir que as infraestruturas de suporte (i.e., passeios, espaço público seguro e multifuncional, acalmia de tráfego) potenciam o uso desses modos.

O decrescimento critica a “substituição verde” dos padrões de mobilidade sem a redução do volume de tráfego. Os carros elétricos continuam a ocupar espaço público, não reduzem a desigualdade territorial, e consumem recursos e energia. Para se reduzir a mobilidade motorizada, particularmente a individual, é fundamental não só não aumentar a capacidade rodoviária existente, como reduzir essa capacidade realocando-a para uso exclusivo do transporte coletivo (e.g. corredores bus, metro ligeiro) e modos ativos (e.g. ciclovias, passeios mais largos).

3.      Como garantir a justiça e a acessibilidade de forma que os objetivos de redução do tráfego não criem barreiras adicionais a grupos em situação de vulnerabilidade (pobreza, periferização, mobilidade reduzida, etc.)? 

Num contexto de elevada dependência automóvel que caracteriza Portugal, em que o automóvel se tornou numa infraestrutura social obrigatória, tanto em meios (sub)urbanos como rurais ou de baixa densidade, restringir o uso do automóvel sem providenciar alternativas pode gerar exclusão. Nesse sentido, é importante que as políticas de redução do uso do automóvel sejam pensadas e desenhadas em função do contexto territorial e com a participação das pessoas afetadas.

De forma sucinta, as medidas de restrição automóvel devem ser acompanhadas de reforço da oferta e qualidade do transporte coletivo, ou outras alternativas como o transporte flexível a pedido. A redução deve focar-se sobretudo nos grupos com maior consumo automóvel e com maior capacidade de adaptação, protegendo as pessoas com mobilidade reduzida, trabalhadores com horários rígidos e pouco compatíveis com transporte coletivo, e ainda as populações sem alternativas que residem em áreas periféricas e/ou de baixa densidade. Este último ponto é importante pois chama a atenção para a necessidade de implementar políticas territoriais complementares, nomeadamente, a criação de serviços de proximidade que reduzam a necessidade de deslocações mais longas, e políticas de habitação que evitem que as populações sejam expulsas para áreas mal servidas. Políticas de gratuitidade, ou quase gratuitidade, do transporte coletivo são ineficazes se a acessibilidade ao transporte coletivo for inexistente ou insuficiente; devem ser usadas como instrumento de redistribuição social e de forma complementar a medidas de melhoria da oferta e qualidade do transporte coletivo.

Referências:

Illich, I. (1976). Energia e Equidade. Lisboa: Sá da Costa Editora.

Rocha, B. T., Melo, P. C., Colaço, R., de Abreu e Silva, J., & Afonso, N. (2025). The heterogeneous effects of motorways on urban sprawl: Causal evidence from Portugal. Research in Transportation Economics, 114, 101666.

Rocha, B. T., Melo, P. C., & Proença, I. (2025). The great spatial reshuffling: How motorways reorganised population and ageing in Portugal. European Planning Studies. Advance online publication.

Rocha, B. T., Melo, P. C., Afonso, N., & de Abreu e Silva, J. (2023). The local impacts of building a large motorway network: Urban growth, suburbanisation, and agglomeration. Economics of Transportation, 34, 100302.

5 - Novidades do Site

Ferramentas Decrescentistas para Práticas Artísticas

A Teoria do Decrescimento Económico: A necessidade de um debate aberto

Decrescimento e o fim da civilização industrial

6 - Publicações de interesse para a comunidade decrescentista

- Revista 15/15\15

- Economic growth no longer linked to carbon emissions in most of the world, study finds, de 11 de Dezembro 2025 no jornal The Guardian

-Assessing public support for degrowth: survey-based experimental and predictive studies, artigo de Dario Krpan, Frédéric Basso, Jason Hickel e Giorgos Kallis, em 1 de Dezembro 2025 no Science Direct

- A desesperança da COP30, artigo de Maria Amélia Martins-Loução, em 28 de Novembro 2025 no Jornal Público

- Entrevista a Susana Ribeira e Guilherme Serôdio da Rede para o Decrescimento, publicada em 10 de Novembro 2025 pela Ulmeiro

Para terminar, um momento de música e democracia

Elefante no hemiciclo (Cara de Espelho)