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O Caracol - XX | Outubro 2025 / Especial Encontro Nacional

O Caracol - XX | Outubro 2025 / Especial Encontro Nacional
Foto de Câmara Municipal da Covilhã

Índice

- Para ler devagar e respirar

1 - Encontro Nacional da Rede para o Decrescimento 2025 (EN25)

1.1. Debate: Decrescimento, Propostas para o Futuro

1.2. Decrescimento e o fim da civilização industrial

1.3. Reunião Geral

1.4. Balanço final

2 - Ações da Rede e dos seus Membros

3 - Novidades do nosso canal YouTube

4 - Publicações de interesse para a comunidade decrescentista

- Para escutar calmamente e relaxar

Para ler devagar e respirar 

Apesar das ruínas e da morte,

Onde sempre acabou cada ilusão,

A força dos meus sonhos é tão forte,

Que de tudo renasce a exaltação

E nunca as minhas mãos ficam vazias.

  Sophia de Mello Breyner Andresen

1 - Encontro Nacional da Rede para o Decrescimento 2025 (EN25)

Imaginar o futuro para além do crescimento económico e pensar em políticas centradas no bem-comum, estiveram em foco no Encontro Nacional da Rede para o Decrescimento que este ano foi acolhido pela cooperativa CooLabora (cooperativa de intervenção social, que “abrigou” o conjunto das pessoas na sua sede, no centro histórico covilhanense), na Covilhã, de 17 a 19 de Outubro. Este evento teve, inclusivé, destaque no Jornal Público num artigo de João Spencer.

Programa do Encontro Nacional

O encontro, organizado por um círculo específico dentro da Rede, que inclui a Graça, a Pascale e o Paulo, em colaboração íntima com a CooLabora, começou às 18 horas de Sexta-feira, com o acolhimento das pessoas inscritas, a quem era pedido um auto retrato. Fizeram-se desenhos e notas escritas em papéis coloridos formato A5, o que permite ter um panorama das sensibilidades dos membros não só da RD, como de outros potenciais aderentes, informação a ser explorada para percebermos quem somos.

O interconhecimento entre todos, não só dos da CooLabora, teve lugar ao longo duma sessão de dança, que a cooperativa promove semanalmente. Havendo igualmente poesia e a construção de um facebusca. Seguiu-se uma pausa para o jantar partilhado, durante o qual se degustaram pequenos mimos que alguns participantes foram trazendo, antecedendo o debate, numa sessão aberta, sobre as propostas decrescentistas, que contou com a participação de membros da Rede e da comunidade.

A manhã de Sábado foi dedicada a olhar a cidade a partir de um prisma decrescentista. Fizemos um passeio a pé, em direção ao Museu de Lanifícios, conduzido pela Rita Salvado, onde teve lugar uma apresentação do nosso colectivo para todas as pessoas participantes. 

À tarde realizámos uma oficina sobre o colapso dos sistemas ecológicos e a reunião geral da rede, às pessoas que estavam na Covilhã juntaram-se outras que apenas puderam participar online. No Domingo teve especial destaque uma oficina de teatro baseada nas técnicas do Teatro do Oprimido, dinamizada pelo Pedro Peixoto, que antecedeu o habitual momento de encerramento do Encontro com a partilha colectiva, por escrito, de sentimentos e emoções, num quadro de parede. Fechámos com canções de intervenção, acompanhadas à guitarra pelo Paulo, e com um almoço de despedida.

1.1. Debate: Decrescimento, Propostas para o Futuro

Por volta das 21:30, sentámo-nos em círculo, cerca de 27 “criaturas”, fizemos uma breve rodada cada um dizendo o seu nome e donde vem, ou algo mais, após a qual o André Barata, enquanto presidente da CooLabora, dá as boas vindas e expressa a alegria em receberem este grupo. Foi explicitado pela Graça o âmbito das actividades da CooLabora, que lida com múltiplas realidades, desde as demandas das comunidades, até às necessidades territoriais, tem relações com outras organizações da região, promove a economia local, oficinas, feiras, tem uma loja de venda de produtos de referência. Tem ações de apoio a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, de combate à violência doméstica e de promoção da inclusão social.

A RD apresentou o que se pode entender como a problemática entre o crescimento sem limites e o decrescimento criteriosamente assumido, refletindo as questões da justiça social e ambiental. A rede existe em Portugal desde 2018, é um coletivo aberto, estruturado em núcleos territoriais, e tem em funções círculos temáticos que permanecem no tempo, por exemplo o da gestão interna e o da comunicação, ou outros mais ou menos esporádicos, sobre autarquias, ecofeminismo, habitação, etc.. O símbolo internacional dos movimentos decrescentistas é o caracol, cuja forma e função recusa ao crescer ilimitado.

Foram colocadas algumas perguntas-desafio para motivar a conversa:

A primeira, sobre o PIB como medida, lançada pela Susana: vivemos numa sociedade centrada no crescimento económico mas, num planeta finito, não podemos imaginar um futuro sem atender aos limites ecológicos e sociais do planeta. A quem interessa a obsessão pelo crescimento económico como indicador do desenvolvimento? Que outros indicadores podem ser mais adequados?

A segunda questão foi sobre a relação entre o decrescimento e as correntes feministas, nomeadamente o ecofeminismo e foi vociferada pela Ana Leonor Santos: valorizamos socialmente o trabalho remunerado. Porém, o trabalho de cuidado, geralmente realizado de forma gratuita, sobretudo pelas mulheres, é fundamental para a sustentação da vida. Porque é que o sistema capitalista desvaloriza este trabalho, fundamental à reprodução da sociedade como um todo?

A terceira questão versou sobre a economia local e foi transmitida pela Graça: o decrescimento propõe uma localização crescente da economia, nomeadamente na provisão essencial, por exemplo de alimentos, energia, água, etc. Quais serão então as vantagens e os limites de localizar a vida em comunidade, num contexto de forte globalização? 

A quarta questão, lida pela Pascale, centrou-se na tensão entre as mudanças individuais e as mudanças colectivas e o modo como se podem articular ambas.

Seguiu-se um debate alargado, rico em transmissão de experiências e pensamentos, que se podem enunciar invocando palavras chave: …vazios…cheios…céus…paisagens…quintais…verdes…privilégios…tensões…ausentes…presentes…abusos…mobilidades…intensidades…empenhos…resistências…ressonâncias…ruídos…silêncios…danos…publicidades…consumos…frugalidade…escutar e estar atento…as articulações entre as dimensões individuais e colectivas… o bom viver.

1.2. Decrescimento e o fim da civilização industrial

No Sábado à tarde decorreu um workshop dinamizado pelo Hans, dedicado à possibilidade de colapso da civilização moderna que procurou explorar as emoções das pessoas participantes, bem como o imaginário em relação aos elementos do colapso e eventuais estratégias para lidar com a situação.

Para dar o mote e perceber onde as pessoas se situavam, o Hans pediu que se colocassem na sala de acordo com a sua ideia em relação à probabilidade de este acontecer dentro do seu tempo de vida, sendo patente a grande variedade de posições, desde ‘pouco provável’ até ‘já em curso’.

Depois de uma breve apresentação sobre a grande aceleração, os limites planetários,  e a policrise da degradação ambiental e social, as pessoas participantes foram convidadas a partilhar as suas emoções relativamente à perspetiva do colapso escrevendo em post-its, sendo reveladora a grande frequência da palavra “medo” e da temática do luto, em todo semelhante às fases de luto propostas por Kübler-Ross. A seguir, exploram-se os elementos de um possível colapso e das implicações que esse teria (ou tem) em nós, na nossa família, na nossa comunidade ou no nosso país.

Dando um pouco de enquadramento aos trabalhos, o Hans apresentou alguma bibliografia dedicada ao colapso, nomeadamente o bem conhecido livro de Jared Diamond que faz uma exploração empírica de algumas sociedades que colapsaram, a análise histórica mais sistemática de Joe Tainter dedicada ao colapso de sociedades complexas, bem como a recente obra de Lucas Kemp ‘A maldição de Golias’ e o livro de Carlos Taibo que aborda o capitalismo terminal e o risco do eco-facismo. Depois de uma nova ronda participativa sobre estratégias para lidar com a perspetiva de colapso, ainda houve tempo para  abrandar brevemente o conceito de adaptação profunda de Jem Bendell e o seu livro ‘Breaking together’, agora publicado em português pela Bambual Editora (a entrevista da Rede para o Decrescimento com Jem Bendell está disponível no YouTube), os cuidados paliativos para a modernidade de Vanessa Machado de Oliveira e a preparação solidária para o colapso do ativista climático alemão Tadzio Müller.

O workshop terminou com dois desafios para as pessoas participantes se colocarem novamente na sala relativamente à alteração da sua perspetiva sobre o colapso após a participação e o empoderamento e a paralisia, respetivamente.

1.3. Reunião Geral

Com a maioria dos membros presentes na sala e três online, a segunda reunião geral do ano começou pontualmente às 18 horas de Sábado. Estando os pontos da ordem de trabalhos pré-definidos e após a escolha do relator e do facilitador, iniciaram-se os trabalhos fazendo um balanço das actividades do corrente ano. Os vários Núcleos e Círculos concordaram que houve alterações que melhoraram o trabalho do colectivo e referiram as muitas actividades e eventos realizados pelo país, bem como iniciativas promovidas por outras associações nas quais a Rede esteve presente.

Como o assunto decrescimento tem vindo a colher cada vez mais interessados e como este é um colectivo dinâmico, há que pensá-lo para o próximo ano, tendo surgido diversas ideias, incluindo uma eventual alteração, ao nível da sua organização interna. 

Após a discussão de algumas questões técnicas e internas pendentes, houve necessidade de perceber se há espaço para um debate interno sobre questões pertinentes e por vezes fracturantes e em que moldes o poderemos fazer. Por último, entre os assuntos de interesse, foi lembrada a possibilidade de participação na 5th International Conference on Social and Solidarity Economy and the Commons e foi feita uma actualização sobre a candidatura da Rede à realização da conferência local ou satélite na Covilhã em Junho de 2027, integrada na 12ª Conferência Internacional de Decrescimento para a Sustentabilidade Ecológica e a Equidade Social.

Mural na cidade

1.4. Balanço final

Este foi o sétimo Encontro Nacional da Rede para o Decrescimento e, como já é hábito, realizámos uma avaliação a quente pelos participantes. Desta vez, foi pedido que cada pessoa se pronunciasse sobre três tópicos: “Gostei muito de”; “Senti falta de” e finalmente, “Num próximo encontro proponho que…”.

Da análise às respostas podemos afirmar que de maneira expressiva muitos dos participantes gostaram de ver, rever ou conhecer pessoas da Rede e da CooLabora (cooperativa parceira e acolhedora do evento) o que confirma que os Encontros Nacionais permitem uma maior aproximação entre os nós da Rede que são as pessoas. Foi também referido o interesse pelos temas, os debates e as dinâmicas organizados, salientando o ambiente acolhedor e respeitoso de cada um.

Quanto ao que pode faltar, o tempo é a dimensão referida mais vezes, seguido-se o número de participantes que alguns queriam maior, de dentro e de fora da Rede.

Finalmente, recolhemos propostas para o ano que vem, desde trazer mais práticas de decrescimento, trazer música, canto, teatro e passeios ou cada pessoa trazer um amigo. Na parte logística, foi sugerido que para quem tem crianças, era bom organizar espaço e atividades para elas.

Assim, temos uma base de trabalho muito útil para o círculo que se irá encarregar de dar continuidade à organização dos próximos Encontros Nacionais.

2 - Ações da Rede e dos seus Membros

Debate sobre o documentário Outgrow The System

A Mariana, membro da Rede, participou na conversa que se seguiu à exibição do documentário Outgrow The System, a 26 de Setembro, em Faro, no âmbito do Scianema - uma mostra de cinema ambiental focada no oceano, organizada pela Sciaena, ONG dedicada à conservação marinha.

O debate, que teve igualmente como convidados membros da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e do Centro de Ciência Viva do Algarve e se estendeu aos participantes da sessão, explorou temas como a necessidade e viabilidade de superar o modelo económico dominante mas também como podemos manter a esperança e contribuir para a mudança. Algumas das vias sugeridas foram a participação em colectivos como a Rede para o Decrescimento naturalmente, e o envolvimento em acções práticas de base comunitária, à medida da capacidade e interesses de cada um – como o R.Util-Faro, uma iniciativa local, que teve origem em membros da Rede, e promove o "Reutilizar-Reparar-Reinventar, para Reduzir o desperdício e o consumo" a nível concelhio.

3 - Eventos externos em destaque

Conferência Ambientar-se: Era do lixo

A 3ª edição da conferência “Ambientar-se” que se realiza em Vila Nova de Famalicão a 22 de Novembro tem como tema a “Era do Lixo” e irá promover a reflexão sobre o consumo e produção de resíduos. A Graça, membro da Rede, irá participar num dos painéis. A conferência é organizada pelo Município de Famalicão em parceria com a AREA - Associação Amigos do Rio Este, Associação Famalicão em Transição, H2Ave, Vento Norte e YUPI. Conta ainda com a colaboração da AVE - Associação Vimaranense de Ecologia, que dinamiza, desde 2013, as Ecorâmicas - Mostra de Cinema Documental sobre Ambiente e Sociedade em Guimarães.

4 - Novidades do nosso canal YouTube

Entrevista a Jem Bendell pelos membros Hans Eickhoff e Guilherme Serôdio

Acompanhem a interessante conversa com este autor, cujo tema principal foi “O hopium do Decrescimento: como envolver a comunidade decrescentista numa conversa sobre como enfrentar o colapso”.

Aproveitem e subscrevam o canal da Rede nesta plataforma!

5 - Publicações de interesse para a comunidade decrescentista

- A Climate for Sufficiency: 1.5-Degree Lifestyles Report

- Prospects for Degrowth: the story so far

Artigo de Anna Gregoletto e Mark H. Burton em jeito de resumo dos diferentes contributos que têm sido dados ao debate em curso entre diferentes correntes sobre decrescimento, publicado no networking site britânico

- European Newsletter do IDN/ International Degrowth Network, de Setembro de 2025

- Revista 15/15\15

- Charting a Communal-Ecological Path: Beyond the Growth Fetish

Artigo de Brian M. Napoletano, in Monthly Review Vol. 77 (2025–2026), nº 3 (July-August 2025), sugerido por membro da Rede

- Routledge Handbook of Degrowth, ed. A. Nelson & V. Liegey (2025)

- Declaração da Confª “Mas allá del crecimiento” España 2025

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Para escutar calmamente e relaxar…

Anthen de Leonard Cohen 

There is a crack, a crack in everything/ That's how the light gets in