A Teoria do Decrescimento Económico: A necessidade de um debate aberto
OS LIMITES DO CRESCIMENTO
A teoria do crescimento económico é baseada na suposição de que somente por meio da criação de níveis mais altos de produção de riqueza é possível atingir padrões de vida mais elevados, com maiores níveis de bem-estar e melhor qualidade de vida. Dentro desta suposição está implícita a validação da hipótese de que medir o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é uma métrica eficaz para avaliar o estado e a evolução de uma economia.
No que diz respeito ao decrescimento, não existe uma teoria única. Esta posição representa as reivindicações do amplo movimento científico que surgiu da publicação de Os Limites do Crescimento, em 1972, por Donnella e Dennis Meadows e os seus colegas.1
O uso do termo “decrescimento” por este movimento é frequentemente acusado de ser ofensivo e chocante para a opinião pública, especialmente para os eleitores em regimes democráticos, que podem não ter níveis de literacia bastantes em matéria de fundamentos económicos. Contra essa acusação está o princípio de que há a necessidade de uma mensagem chocante e potencialmente perturbadora que possa romper a ubiquidade da propaganda massiva, da publicidade e do marketing dos velhos e dos novos media a que as sociedades contemporâneas estão permanentemente expostas. Existem múltiplas teorias e modelos que proclamam a necessidade de uma alternativa à teoria do crescimento económico, que geralmente é apresentada como hegemónica e que tende a não aceitar nenhuma crítica ou discussão: se discuti-la já parece constituir a quebra de um tabu ou a prática de um sacrilégio, o que seria fazer dela uma proposta eleitoral programada?
Discussões sobre o decrescimento em contextos políticos públicos ocorreram ocasionalmente, tal como aconteceu no parlamento holandês e no Parlamento da União Europeia, que realizou sessões parlamentares sob proposta dos partidos Verdes para discutir os desafios do crescimento-decrescimento. A Green European Foundation é financiada pelo Parlamento Europeu e mantém a plataforma Geopolitics Post Growth para hospedar as suas publicações, relatórios e ferramentas, no sentido de promover maior investigação nestas áreas.
Como ocorre com qualquer outro paradoxo ou controvérsia, é importante discutir mais a fundo e tentar entender melhor por que motivo a oposição crescimento-decrescimento exalta tanto os ânimos. A posição que aqui se explora é a de que é essencial garantir espaços adequados para debate e discussão. Hoje, mais do que nunca, é importante garantir modos de diálogo abertos, livres e plurais. Discutir os temas de crescimento-decrescimento é uma tarefa crucial. O debate em jogo envolve os modos intencionais e conscientes de examinar e de buscar respostas, nos interstícios da subjetividade e da intersubjetividade. Trata-se de um território que é terra de ninguém, onde se trabalha a partir da curiosidade e da imaginação, da memória e da ficção. O pressuposto é que a paixão e o desejo de busca de novas perspetivas, aliados a uma vontade forte, possam emergir por meio de novas perguntas e a partir de novas posições de partida que sejam capazes de romper a impotência, a frustração, o desencanto. O argumento de que estamos todos no mesmo barco, como humanos e como organismos vivos, individualmente e como espécie, liga-se ao argumento de que precisamos de mais e de melhores perguntas e de que precisamos mais destas do que de mais e de melhores respostas.
Paradoxalmente, esta posição confirma que as respostas já estão presentes e que, de alguma forma, já emergem de maneiras subtis nas vidas reais e nas situações concretas de populações e de territórios. Na arte, no desporto, na ciência, na tecnologia, na religião, na filosofia, nos mitos e na espiritualidade laica, as centelhas de criatividade inspiradora e de espontaneidade contagiante já estão presentes em expressões particulares, muitas vezes invisíveis e silenciadas do conhecimento humano. A tarefa é então disseminar e propagar, não soluções prontas, mas disposições necessárias e possibilidades de pensamento e de ação que assegurem as condições para que a investigação plural e dialógica prossiga. Karl Jaspers, por exemplo, inspirou-se na análise histórica de Max Weber sobre as condições de possibilidade que levaram ao surgimento de revoluções para propor os conceitos de possibilidades de ação e possibilidades de pensamento. Espaços seguros para debate e para diálogo aberto são, eles próprios, parte de uma agenda para expandir e explorar outras possibilidades e possibilidades mais amplas.
O movimento científico que reivindica o decrescimento económico partilha a posição que argumenta que os humanos estão em busca de respostas de uma forma retrógrada, que leva à destruição das condições de vida no planeta. O suicídio rápido ou lento, direto ou por delegação, é confundido com uma promessa vazia que cria um equívoco autossustentável, que facilmente se agrava e se perpetua. O alerta foi dado, cientificamente, em múltiplos formatos e foi disseminado por vários canais, aparentemente acelerando as consequências negativas e criando níveis de negação sem precedentes. A negação, individual e coletiva, é a resposta de defesa mais potente que é possível conceber. É possível medir o dano de uma causa primordial pela violência dos sintomas de negação que ela é capaz de desencadear e provocar.
É necessária uma nova gramática que seja capaz de articular as subtilezas da experiência vivida de indivíduos e de grupos, dentro de territórios e de comunidades concretas, não pré-formatada pelos mecanismos institucionais de regulação e de controle das sociedades contemporâneas. A proposta é explorar uma posição crítica que considere a possibilidade de ressignificar as crenças, de rever as hipóteses e as suposições que são tidas como certas, absolutas e inquestionáveis, e reformular as perspetivas que intencional e conscientemente, ou não, condicionam o pensamento e a ação atuais, aos níveis individual e coletivo, local e global. A justificação é a de tentar simultaneamente rejeitar o antropocentrismo e explorar cosmogonias supostamente baseadas na natureza, ao mesmo tempo que se reconhecem os limites, fragilidades e instabilidade do sujeito. A organização social humana impõe o conhecimento, a linguagem, a ação e o significado de formas que podem ser alienantes e niilistas. Mas não tem de ser assim, e esta mesma organização do conhecimento humano pode ser libertadora e empoderadora e, efetivamente, permitir mudanças radicais, institucional e pessoalmente.
As teorias económicas do decrescimento, pós-crescimento e anti-crescimento estão baseadas nos últimos três séculos de evolução da tecnociência e podem ser rastreadas até às origens da organização social, ao surgimento da linguagem escrita e ao crescimento das primeiras cidades. Não se trata meramente de uma questão de dedução lógica cognitiva, mas de autorreflexão que emerge de experiências vividas. Como ocorre em toda a investigação existencial, as perguntas são mais importantes do que as respostas. Além disso, não existem respostas certas ou erradas, desejadas ou indesejadas, adequadas ou inadequadas, mas sim a necessidade radical e fundamental de proteger e de assegurar, de sustentar e de promover espaços seguros para o debate aberto, a discussão, o confronto, a exploração e a partilha.
O EXCESSO DE UMA COISA BOA
Intoxicação química, intoxicação alimentar, sensibilidade ou insensibilidade à dor; resistência, não reação ou reação exagerada a estímulos, neurologicamente ou em relação à exposição a vírus e a bactérias; alergias e distúrbios autoimunes: são todos exemplos relacionados com a área da saúde e que ilustram a disposição e as condições prévias, já existentes, antes do contacto com o estímulo externo. A preparação e a maturidade ou, então, a vulnerabilidade e a fragilidade de um organismo em relação a um impacto externo, indicam níveis diferentes de exposição ao risco. Considerando o mundo das ideias e dos conceitos, das abstrações e das ficções de que o mundo das ideias é composto, e avaliando a forma como exercem o seu poder de atração ou de rejeição, de simpatia ou de antipatia, é curioso refletir sobre a possibilidade de estender e de expandir a capacidade de se estar exposto à novidade e à mudança. O elogio da abertura não é a celebração do relativismo. É, antes, o reconhecimento de que alguma ginástica mental e prática no laboratório vivo de experimentos mentais pode ser útil, na medida em que trazem menor resistência ao confronto e ao debate de ideias e permitem ganhar flexibilidade, energia e elasticidade mental.
Na primeira exposição de arte que inaugurou o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no ano 2000, numa das salas estava escrito em grandes letras maiúsculas, próximo do teto, que «a razão pela qual temos cabeças redondas é para que as ideias possam dar a volta». As ideias estão por de trás da tecnologia e são, elas próprias, tecnologia, quando incorporadas numa prática, num determinado modo de fazer que condiciona e determina uma maneira de ser que, por sua vez, sustenta cosmogonias na forma de mito, de filosofia ou de religião. A tecnociência – ciência que é o produto da fabricação e do uso de ferramentas, de artefactos materiais e simbólicos – é, ela própria, parte da cadeia de abastecimento e de valor das condições de possibilidade de pensamento e de ação de populações concretas que habitam territórios reais. A experiência vivida real, a experiência de admiração e de maravilhamento por se estar vivo, pode ser considerada criativa e espontânea na medida em que há uma apropriação que desencadeia uma resolução para alimentar essa mesma fonte: se é compartilhada por toda a realidade material em todo o universo, é mais visível em sistemas vivos, em qualquer escala, época histórica ou geografia
NECESSIDADE DE UM DEBATE ABERTO
O uso do termo decrescimento é considerado uma bandeira do movimento de decrescimento que defende a necessidade urgente de repensar suposições tidas como certas e que, contudo, são enganosas e autodestrutivas. A produção científica relacionada com o movimento de decrescimento tem uma história impressionante desde a publicação do relatório que ficou conhecido como o Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows, de 1972, de Donnella e Dennis Meadows, referidos acima. Esta publicação tratou de desafios críticos para o desenvolvimento futuro da humanidade: incluíam meio ambiente, tecnologia, crescimento populacional, energia, poluição, saneamento e saúde.
Mais de meio século depois, a questão do decrescimento é mais divisiva do que nunca, pelo que um debate aberto e construtivo é imperativo. A crítica por parte do movimento do decrescimento argumenta que a idolatria do crescimento é uma falácia não tão inocente quanto possa parecer, que causa dependência e vício, como acontece por parte do heroinómano em relação à heroína. Igualmente séria é a acusação de deriva suicida e autodestrutiva, tida como uma loucura consensual e generalizada. Se o caso for da ordem da psicopatologia, vale a pena lembrar os trabalhos de Sigmund Freud e de Jacob Levy Moreno, seu contemporâneo em Viena, pois ambos os psiquiatras defendiam a necessidade de uma clínica voltada para o tratamento e cura de uma sociedade doente. A sociatria seria a psiquiatria aplicada à sociedade, a nova ciência criada por Moreno, em 1947.2 Nos livros do final da sua vida, Freud desenvolveu a perspetiva da análise social e da neurose coletiva, em O futuro de uma ilusão, de 1927, e O mal-estar na civilização, de 1930.
Numa referência explícita ao crescimento interpretado como uma crença absurda, o economista norte-americano Kenneth Boulding argumentou, com ironia, que somente um louco – ou um economista – poderia imaginar que o crescimento permanente fosse possível num mundo finito. Embora a ecologia tenha surgido da biologia, este autor foi um dos primeiros a desenvolver a corrente da economia ecológica. A imagem do planeta Terra como uma nave espacial foi usada por Boulding para destacar a finitude dos recursos naturais disponíveis, desenvolvendo abordagens ecodinâmicas e evolucionárias para a teoria económica. A rejeição feroz e as tentativas de desacreditar o movimento de decrescimento foram comparadas à campanha anticomunista do senador americano McCarthy, nas décadas de 1940 e 1950. A oposição entre o capitalismo salvador e o comunismo demonizador segue em paralelo com o crescimento apresentado como sendo inegável e inevitável e o decrescimento como sendo desviante e empobrecedor. Essas posições assumem traços fóbicos e paranoicos, projetando, explorando e amplificando medos e inseguranças do imaginário coletivo.
Numa sociedade secularizada, os sistemas de crenças e a definição do que é proibido ou tabu, do que é sacrilégio ou fonte de desconfiança, assim como a oposição entre o que é desejado e o que é temido, assumem formas curiosas. Um exemplo destas conexões inusitadas é o congresso sobre economia e teologia, organizado em 2010, cujas atas foram publicados no ano seguinte.3 Após a crise financeira de 2008, a reflexão “teológica” sobre a economia e o sistema bancário, na base do tema de uma “mudança de paradigma”, argumentou que a estabilidade económica depende de crenças e se baseia na fé e na confiança tanto quanto qualquer religião. Esta abordagem, do que são consideradas a teologia e a economia do século XXI, que saíram como um número especial da publicação Liberal Theology in the Contemporary World, dedicada à crise financeira e à necessidade de fortalecer a fé no sistema bancário à escala global, afirma-se como a base sem a qual surgem o caos e o colapso do sistema económico.
Do outro lado do espectro, a eterna insatisfação que é alimentada pelo consumismo, que cria alienação e dependência, aparece como outra crença em que é o consumo que liberta, edifica e empodera, individual e coletivamente. Repetindo o argumento de John Maynard Keynes, o ilustre economista britânico de há um século, que acusava os políticos e a opinião pública de perpetuarem e de amplificarem ideias passadas sem o perceber, surge um novo paralelo.4 Com o título Zombie Economics, publicado pela Princeton University Press, uma das universidades mais prestigiadas do mundo, o autor reforça a ideia de «ideias mortas que continuam a caminhar entre nós». Pensar, interpretar e debater economia envolve decifrar diferentes códigos que incluem ficção e horror. Na mesma linha, seguindo paralelos inusitados e aparentemente obscuros, também de uma editora de renome, a John Hopkins University Press, os estereótipos da ciência, dos cientistas e da produção científica são comparados a perfis fictícios e a personas estilizadas e artificialmente construídas, moralistas e moralizadoras.5
CONCLUSÃO
Teorias de crescimento económico versus teorias de decrescimento económico, pós-crescimento e anti-crescimento, representam um ponto de entrada para as perplexidades, ambiguidades e enigmas das sociedades contemporâneas.
Aqui, quisemos sublinhar três pontos principais. O primeiro, que a discussão sobre as perspetivas de crescimento-decrescimento é de ordem metafísica e existencial. O segundo, que esta problemática é simultaneamente trivial e essencial, implicando um mergulho profundo nas controvérsias e nos paradoxos da contemporaneidade, que podem ser revigorantes ao nível do autoconhecimento e da autodescoberta. O terceiro ponto: as respostas já lá estão, prontas e disponíveis e são de livre acesso, tanto ao nível individual e local, como ao nível coletivo e global.
Como argumento central, defendemos que o mais necessário são melhores perguntas que sejam capazes de expandir os horizontes do pensamento e da ação e que permitam imaginar novos futuros possíveis, já aqui e já agora.
1 Cf. Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jorgen Randers, William W. Behrens III, The limits to growth (New York: Universe Books, 1972).
2 Cf. Jakob Levy Moreno, “Foundations of sociatry”, Journal of Psychodrama, Sociometry, and Group Psychotherapy 1/1 (1947).
3 Cf. Paul Badham, “Shifting Paradigms: Theology and Economics in the 21st Century”, Modern Believing 52/1 (2011):, 2-3.
4 Cf. John Quiggin, Zombie economics: How dead ideas still walk among us (Princeton University Press, 2012).
5 Cf. Roslynn Haynes, From madman to crime fighter: the scientist in western culture (JHU Press, 2017).