INTRODUÇÃO
A catástrofe ecológica que vivemos e a crise global de cuidados são indissociáveis do sistema patriarcal que explora a natureza e o trabalho das mulheres. O decrescimento, ao integrar uma visão ecofeminista, reconhece não só a interdependência que liga todos os seres humanos como também a sua ecodependência face à natureza. O reconhecimento desta ligação entre decrescimento e ecofeminismo proporciona uma compreensão mais lata do sistema económico e, na senda das propostas de Amaia Pérez Orozco1, coloca a sustentabilidade da vida, isto é, de todos os seres vivos e dos ecossistemas dos quais fazem parte, no centro das suas preocupações. Enquanto membros do Círculo “Ecofeminismo e Decrescimento”, revemo-nos especialmente nas propostas ecofeministas que mostram como a subordinação das mulheres e a degradação ecológica estão intimamente ligadas. Reconhecendo a pluralidade de debates em torno destas temáticas e, por vezes, a ambiguidade de conceitos, procuramos conhecer, a título exploratório, as perspectivas da comunidade decrescentista face ao (eco)feminismo e à sua relação com o decrescimento, bem como identificar possíveis caminhos de trabalho. Neste sentido, o Círculo “Decrescimento e Ecofeminismo” elaborou um questionário online que esteve disponível para preenchimento entre Fevereiro e Maio de 2024. A divulgação foi feita inicialmente através do Element, a plataforma de trabalho da Rede, a seguir no Caracol, a newsletter quadrimestral da Rede para o Decrescimento e, por fim, através da nossa mailing list geral. O retorno, com 61 respostas recebidas, superou as nossas expectativas. Apresentamos aqui os resultados da análise ao questionário, com uma primeira caracterização das pessoas respondentes e a identificação da sua ligação à Rede para o Decrescimento Portugal.
QUEM RESPONDEU
Registámos que 52,5% das pessoas respondentes apresentaram-se como mulheres, 46% como homens e 1,8% como de outro género, sem especificação.
A zona geográfica de residência das pessoas respondentes é muito diversa e divide-se por 12 distritos de Portugal, sendo que 3 pessoas residem fora do país. Assinalamos uma grande concentração de respostas vindas da região de Lisboa e Vale do Tejo - distritos de Lisboa, Santarém e Setúbal - que acumulam 57% do total de participantes. Da região Norte, obtivemos respostas nos distritos de Braga, Porto, Viana do Castelo e Vila Nova de Gaia, totalizando 16% de participantes. Do Alentejo recebemos respostas de Beja e Évora, com um peso de 10% do total. As regiões do Algarve (distrito de Faro) e do Centro (distrito de Castelo Branco) tiveram um peso de 5% cada no total de respostas. Há ainda 7% de pessoas que assinalaram outras situações (não responderam ou residem fora do país).
Em termos de distribuição etária (Tabela 1), há uma expressão muito significativa de pessoas com idades entre os 40 e os 49 anos, que apresentam um peso de 32,8%. Se somarmos esta faixa e a imediatamente seguinte, isto é, o intervalo entre 40 e 59 anos, vemos que ele acumula cerca de metade das pessoas que responderam ao questionário. A faixa etária dos 60 aos 79 anos representa cerca de 36% do total. Abaixo dos 30 anos temos apenas cerca de 5% de respondentes.
Importa salientar, ainda, que a ligação das pessoas respondentes à Rede para o Decrescimento Portugal é diversa. A maioria (52,5%) identificou-se como «simpatizante», 31,1% como «membro da Rede», 14,8% ««não participa na Rede» e 1,6% não identificou a sua ligação à Rede.
QUE RELAÇÃO ENTRE (ECO)FEMINISMO E DECRESCIMENTO?
Formulámos uma questão aberta sobre a possível relação entre o (eco)feminismo e o decrescimento, a qual foi reconhecida por quase 74% das pessoas (Gráfico 1). Deste total, 36,1% das respostas assinalaram que as perspectivas feministas são um contributo para o decrescimento e em 24,6% a tónica recaiu sobre as perspectivas ecofeministas.
Também a ligação da decolonialidade ao decrescimento e ao feminismo / ecofeminismo teve algum relevo, contabilizando cerca de 13% das respostas. Assinalamos, ainda, que quase 20% das pessoas inquiridas não respondeu a esta questão e que 6,6% consideraram não existir relação entre feminismo e decrescimento.
Se analisarmos o quadro anterior, desagregando as respostas por género (Gráfico 2), constatamos que face à maioria das considerações não existe uma diferença muito significativa entre homens e mulheres, excepto:
- no grupo de pessoas que não responderam, onde se nota um maior peso das mulheres, com 14,8%, quando o peso dos homens é de 4,9% e
- no grupo que assinalou não haver relação entre os dois temas, onde as mulheres têm um peso de 1,6% e os homens de 4,9%.
Procurámos, também, apurar se a ligação das pessoas respondentes à Rede para o Decrescimento influencia um reconhecimento da relação entre (eco)feminismo e decrescimento, tendo identificado uma associação positiva (Gráfico 3).
Por sua vez, os dados obtidos por grupo etário mostram que as pessoas entre os 40 e os 49 anos de idade reconhecem a relação entre decrescimento e feminismo/ecofeminismo, representando 27,8% do total (32,8%) e dos quais 6,5% associam, ainda, o tema da decolonialidade (Gráfico 4). De igual modo, 14,7% (de um total de 19,7%) das pessoas situadas na faixa entre os 60 e os 69 anos (o segundo maior grupo de respondentes) estabelece uma relação entre decrescimento e feminismo/ecofeminismo. No global, o reconhecimento da relação entre os temas em questão é transversal aos diferentes escalões etários. No entanto, o cruzamento destes temas sob uma perspetiva decolonial não é referido pelos grupos etários situados nos escalões extremos da classificação definida, em concreto as pessoas entre os 20 e os 29 anos de idade, bem como as pessoas entre os 70 e os 79 anos.
QUE ACTIVIDADES GOSTARIA QUE O CÍRCULO ORGANIZASSE?
O questionário aplicado permitiu-nos, ainda, identificar o tipo de actividades a promover pelo Círculo “Ecofeminismo e Decrescimento” que são consideradas mais relevantes, facilitando assim um ajustamento entre a nossa acção e os interesses e expectativas das pessoas que acompanham a Rede para o Decrescimento. A este respeito, apuramos que o visionamento de filmes e a participação em debates são as duas iniciativas com uma incidência mais significativa, ambos com 27,1% das respostas. Segue-se a participação em oficinas, que acumula 14,7% das respostas e o acesso a informação sobre recursos, que tem um peso de 14% do total. Conhecer artigos e textos sobre ecofeminismo e decrescimento é assinalado por 12,5% das pessoas respondentes. Registamos, ainda, que 4,4% não consideram a possibilidade de participar em futuras iniciativas sobre este tema.
NOTAS CONCLUSIVAS
Os membros e simpatizantes da Rede para o Decrescimento reconhecem a profunda relação entre decrescimento e (eco)feminismo, assinalada por 74% das pessoas inquiridas, lançando ainda o desafio de articularmos esta visão com uma perspectiva decolonial, como referiram 13% das pessoas respondentes. De igual modo, o reconhecimento da relação entre temas é, no global, transversal aos diferentes grupos etários considerados.
O questionário aplicado permitiu-nos, ainda, identificar uma tipologia de actividades sobre este tema a promover pelo Círculo “Ecofeminismo e Decrescimento” para responder aos interesses e às expectativas das pessoas que acompanham a Rede para o Decrescimento. Por isso, durante o próximo ano (2025) teremos os dados recolhidos em conta na programação deste Círculo, procurando corresponder através de debates, visionamento de filmes e oficinas temáticas. Num futuro mais próximo, já no dia 21 de Setembro de 2024, iremos organizar uma oficina em Coimbra sobre Decrescimento e Feminismo, na qual gostaríamos de contar com uma ampla e activa participação da Rede. Contamos convosco?
1Amaia Pérez Orozco (1977) é uma economista feminista e activista social espanhola que tem prestado especial atenção ao estudo das cadeias globais de cuidado. É autora de vários livros, entre os quais destacamos “Subversión feminista de la economíaAportes para un debate sobre el conflicto capital-vida”. (2014). Mais informações sobre a autora aqui.