No passado dia 16 de dezembro, a Assembleia da República acolheu no Auditório António de Almeida Santos, a primeira Conferência Beyond Growth em Portugal, coorganizada pela OIKOS, a Rede para Decrescimento e a ZERO, membro do Hub Ibérico da Wellbeing Economy Alliance (WEAll), para debater um futuro para além do crescimento. O evento surgiu no seguimento da recente Cimeira do Futuro, promovida pelas Nações Unidas que decorreu em setembro último e da qual resultou a Declaração sobre as Gerações Futuras, e da cimeira organizada pelo Parlamento Europeu em 2023, dedicada ao tema Beyond Growth. Em ambos os casos, há um apelo à implementação nacional das suas conclusões e este evento é organizado como um lugar de debate e um contributo para a implementação de medidas correspondentes. O evento contou com a presença de mais de 80 participantes, entre académicos, políticos, membros de ONGs e da sociedade civil, com bastante presença da Rede para o Decrescimento.
Durante a sessão da manhã, a primeira Comissária para as Gerações Futuras do País de Gales, Sophie Howe (2016 – 2023), relatou a fundamentação da Lei, a sua implementação, dificuldades e sucessos. A experiência da Lei das Gerações Futuras no País de Gales, aprovada em 2015, obriga cada organismo público listado na Lei a trabalhar para a melhoria do bem-estar económico, social, ambiental e cultural, de acordo com os seus sete objetivos de bem-estar. A seguir Susana Fonseca, Vice-Presidente da ZERO, delineou o projeto de uma futura lei portuguesa para proteger os interesses das Gerações Futuras. Identificou princípios orientadores fundamentais como a justiça intergeracional, a importância duma economia do Bem-Estar que sirva as pessoas e o planeta, e a necessidade de mudança na cultura organizacional. A construção da prosperidade social coletiva, terá de atender a perspetivas que integram e conectam as diferentes áreas através da colaboração entre instituições, envolvendo os cidadãos no processo de decisão.
Filipe Martins, diretor do Centro Social Europeu Jesuíta e ativista da Iniciativa Gerações Futuras a nível europeu, fez uma atualização sobre o ativismo da iniciativa a favor de uma Declaração Interinstitucional sobre os Direitos das Gerações Futuras; a nomeação de um Comissário Europeu para as Gerações Futuras e com uma pasta ampla e horizontal e atuando como primeiro vice-presidente; e uma Orientação para Legislar Melhor, incluindo a justiça intergeracional como princípio fundamental para qualquer processo legislativo.
O programa da manhã foi encerrado por um painel que contou com Filipe Martins (JESC), as deputadas Andreia Bernardo (PSD) e Maria Begonha (PS), o deputado Alfredo Maia (PCP), a deputada Inês Sousa Real (PAN), e o assessor do Grupo Parlamentar do BE, Nelson Peralta. Moderada por João José Fernandes, Presidente da OIKOS, o painel debateu visões políticas e medidas em curso, embora muito focadas no horizonte dos ciclos políticos a curto prazo. No entanto, os participantes revelaram abertura para a instituição de um provedor das gerações futuras, em moldes ainda por definir.
Após a pausa para o almoço, Morena Hanbury Lemos, investigadora doutoranda em Economia Ecológica na Universidade Autónoma de Barcelona e parte do projeto REAL – A Post-Growth Deal, financiado pela União Europeia e liderado por Julia Steinberger, Jason Hickel e Giorgos Kallis, deu uma palestra sobre como os padrões coloniais são reproduzidos na economia global atual, expropriando o mundo maioritário do Sul Global. Perante um cenário em que seis de nove limites planetários já foram ultrapassados, a responsabilidade recai sobretudo sobre o mundo minoritário do Norte global, nomeadamente no que diz respeito à crise climática. Assim, a solução terá de passar pelo Decrescimento, uma vez que um sistema económico baseado no crescimento infinito se tem vindo a revelar incapaz de resolver os problemas e as desigualdades sociais, causando ao mesmo tempo um impacto ecológico cada vez maior. Enfatizou ainda que qualquer discussão sobre possíveis futuros para além do Crescimento devem incluir a justiça planetária.
O painel seguinte foi moderado por Hans Eickhoff, membro da Rede de Decrescimento e investigador doutorando em Ecologia Humana no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS. NOVA), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (NOVA FCSH). A discussão focou-se na problemática do paradigma do crescimento, no imaginário de futuros possíveis e em eventuais obstáculos no caminho para lá chegar. Carlos Antunes, professor de Engenharia Geoespacial da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), sublinhou que a crise atual não deve ser entendida apenas como uma crise climática, ambiental e de biodiversidade, mas também como uma crise do paradigma do modelo social e económico global que assenta na excessiva dependência energética e no consumo insustentável. Assim, a transição para um modelo de recursos e energia baratos, facilmente disponíveis e verdes torna-se difícil quando as taxas anuais de mudança e a pegada ambiental global são incompatíveis com as metas exigidas num curto período.
Patrícia Melo, Professora do Departamento de Economia do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) da Universidade de Lisboa e investigadora na unidade de Investigação em Economia e Gestão do ISEG, confessou o seu sentido de responsabilidade para com as gerações de estudantes de Economia e Gestão que serão os futuros decisores políticos e gestores, procurando tornar o currículo mais plural e crítico dos modelos de organização da economia e da sua relação com o social-ecológico sistemas em que opera. Paula Cardoso, licenciada em Relações Internacionais, jornalista e fundadora da comunidade digital Afrolink, defendeu que, em resposta ao presente impossível em que vivemos assoberbados por indicadores económicos e financeiros e esvaziados de humanidade, os futuros para além do crescimento são o único futuro possível em que a vida das pessoas vale mais do que o lucro das empresas. Por fim, Jorge Pinto, membro do partido ecológico de esquerda LIVRE e licenciado em Engenharia do Ambiente com um doutoramento em Filosofia Social e Política, voltou à questão inicial considerando que os futuros - sejam eles as pessoas que ainda estão por nascer ou os diferentes futuros que podemos criar - estão em constante nascimento, sendo que nascer implica crescer que leva a questões: crescer como, crescer quanto, crescer quando?
O painel de discussão gerou uma animada sessão de perguntas, sendo que o tempo não permitiu dar respostas a todas elas, prosseguindo a conversa nos bastidores após a palestra de encerramento feita por Inês Cosme. Licenciada em Engenharia do Ambiente com um doutoramento em Estudos de Globalização, Inês Cosme é atualmente Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (NOVA FCSH) e consultora em estratégias de sustentabilidade empresarial. Na sua palestra, explorou princípios e propostas políticas para um futuro para além do crescimento que exigem a mudança dos nossos modelos mentais. Sublinhou a necessidade da redução do consumo e da publicidade, a implementação de uma economia localizada e orientada para a comunidade e ao serviço da Natureza, a redução do trabalho e um rendimento básico universal, priorizando o Bem-estar em vez do crescimento económico. Nas suas reflexões finais concluiu que estamos num momento crucial em que talvez ainda possamos reverter ou atrasar, pelo menos em parte, as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. Sendo os custos da inação elevadíssimos, não existe uma solução única, mas várias soluções que podem coexistir na prática. Uma visão coletiva sobre o futuro que queremos criar para as próximas gerações requer aprofundar a democracia e envolver as pessoas para pensar em pacotes de medidas e não em medidas avulsas para a transição que possam originar um “efeito ricochete”.
Fotos: Joana Seabra e Susana Ribeira