O crescimento económico do atual sistema, apenas interrompido na consequência de catástrofes naturais e guerras ou quando crises económico-financeiras provocam períodos de recessão que afetam sobretudo os mais pobres e vulneráveis, é, pela sua lógica intrínseca, exponencial e não linear, à semelhança das taxas de juro que são compostas e englobam os ganhos anteriores. Para a mente humana, habituada a fenómenos naturais de crescimento linear ou com abrandamento progressivo, a ideia do crescimento exponencial é difícil de compreender, sendo este, no início, aparentemente lento, para depois ganhar velocidade, atingindo números extremos muito depressa e provocando uma aparente brusquidão de acontecimentos. Assim, uma taxa de crescimento de apenas 2%, levaria a uma duplicação em apenas 35 anos (até ao ano 2055, a contar a partir de 2020).
Há quase 50 anos, em 1972, foi publicado o famoso relatório ao Clube de Roma “Os Limites do Crescimento” (The Limits to Growth). Investigadores do Massachussets Institute of Technology (EUA), dedicados à análise de sistemas, desenvolveram um programa informático para analisar o fenómeno do crescimento contínuo a nível mundial, incluindo variáveis como população, produção agrícola, produção industrial, depleção de recursos não renováveis e poluição. Sem mudanças substanciais do sistema económico vigente, os limites do modelo atual seriam atingidos dentro de 100 anos, seguidos de um colapso abrupto. Os autores sublinharam que seria possível evitar a catástrofe, satisfazer as necessidades básicas de todos e atingir estabilidade económica e ecológica sustentável, dando oportunidades iguais para a realização do potencial humano individual, se se optasse por um sistema socioeconómico diferente. No entanto, a marcha vitoriosa continuada do capitalismo neoliberal e da globalização ainda reforçaram as tendências nefastas do “business as usual”, confirmando as previsões do relatório e anulando todas as alternativas por explorar fora de experiências marginais.
Nos anos 1990, na Universidade de British Columbia, no Canadá, William Rees e o seu aluno de doutoramento, Mathis Wackernagel, desenvolveram o conceito da pegada ecológica que levou à criação do Global Footprint Network em 2003. A metodologia baseia-se no cálculo da área biologicamente produtiva necessária para absorver todas as emissões de carbono e gerar todos os recursos consumidos, somando importações e subtraindo exportações quando calculado por país ou zona geográfica. A nível mundial, a pegada ecológica já é de 1.7 Terras, vivendo a humanidade, no seu todo, muito acima daquilo que o planeta pode suportar de forma sustentada. Atualmente, o continente africano é o único continente cuja população, em média, têm padrões de vida dentro dos limites planetários, depois de, em 2004, os recursos consumidos e as emissões geradas pela população da Ásia já terem quebrado a barreira daquilo que a Terra pode suportar durante um ano se todos os seus habitantes fizessem o mesmo. Na América do Norte, a pegada ecológica chega a quase cinco Terras e, mesmo na Europa, ela situa-se acima de três, também francamente insustentável a médio e longo prazo.
Por conseguinte, os últimos relatórios dos Painéis Intergovernamentais para a Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES 2019) e para as Alterações Climáticas (IPCC 2018) foram demolidores quanto à situação em que nos encontramos. O desastre parece iminente e apenas pode ser evitado com mudanças drásticas do nosso sistema económico e da forma como o Norte global e as elites do Sul global vivem. Contudo, desde o primeiro relatório do IPCC em 1990, e com todo o conhecimento adquirido desde então, pouco ou nada se fez. Estamos a chegar aos chamados pontos de viragem alarmantes que se podem tornar pontos de não retorno: aumento da captação de calor devido ao aumento do vapor de água na atmosfera, degelo polar acelerado com perda capacidade de refletir a luz solar, desestabilização do permafrost com libertação de metano, redução da produção agrícola devido à falta de água e perda de solo fértil, instabilidade política em regiões com reatores e armas nucleares.
Por todo o lado estão agora aparecer propostas de novos “Pactos Verdes”, desde grupos de congressistas democráticos progressistas nos Estados Unidos da América à Comissão Europeia, propondo a sua presidente reduções das emissões de CO2 de 55% até 2030 sem, no entanto, querer abdicar dos pressupostos de um sistema assente no crescimento económico exponencial.
No seu relatório “Decoupling debunked” (“O desacoplamento desmistificado”), o Gabinete Europeu do Ambiente (European Environmental Bureau) desmonta a teoria que possa haver crescimento económico sem aumento de emissões e consumo de recursos (“decoupling”). As razões da inviabilidade de um “crescimento verde” como única estratégia para atingir a sustentabilidade prendem-se com a externalização dos custos verdadeiros, os avanços tecnológicos insuficientes ou inapropriados, o potencial limitado da reciclagem, o impacto subavaliado do setor de serviços, a criação de novos e imprevistos problemas, os efeitos de ricochete quando poupanças materiais e energéticas num setor levam à transferência dos gastos para outro setor, e o aumento de gastos energéticos na produção e extração. De facto, na prática nunca foi possível demonstrar a dissociação efetiva entre crescimento económico, consumo de recursos materiais e poluição, sendo que com cada aumento do PIB em 1%, o consumo de matérias aumenta 0,8% e as emissões de CO2 em 0,5 – 0,7%. Em 2019, a população mundial consumiu mais de cem mil milhões de toneladas de materiais, entre minerais, minérios, combustíveis fósseis e culturas agrícolas e florestas, produzindo resíduos quase na mesma ordem e reciclando apenas menos de 9%.
A ideia do “crescimento verde” também é implausível porque o funcionamento da nossa sociedade depende de combustíveis de alto teor energético (um barril de petróleo corresponde a 10.000 – 25.000 horas de trabalho humano). Por outro lado, qualquer transição energética de acordo com esses planos de “crescimento verde” necessitaria de enormes quantidades de combustíveis para a extração de matérias primas e para a construção de toda a maquinaria necessária para tal. Segundo estimativas do Banco Mundial, o aumento da procura de alguns minerais chave pode atingir os 1000%, num cenário de querer manter ao mesmo tempo o aumento da temperatura global abaixo dos 2ºC em comparação à época pré-industrial.
Em 1971, o economista e matemático americano de origem romena, Nicholas Georgescu-Roegen, publicou “A Lei da Entropia e o Processo Económico” onde detalha como o processo económico transforma a matéria prima de forma irreversível e contínua, não sendo sequer possível, a longo prazo, haver uma economia em estado estável (steady-state). No entanto, o termo “Decrescimento” em si é atribuído ao filósofo e jornalista André Gorz quando se interroga se “o equilíbrio da terra, para o qual o não crescimento – ou mesmo o decrescimento – da produção material é uma condição necessária, é compatível com a sobrevivência do sistema capitalista” (1972). O teólogo e filósofo Ivan Illich, também de origem Vienense, é outra figura inspiradora do movimento do Decrescimento, que se debruçou sobre as condições que permitiriam a convivialidade entre seres humanos sem que as exigências e consequências do chamado “progresso” material se sobrepusessem às verdadeiras necessidades humanas (“Tools for Conviviality”,1973). Não é apenas possível haver prosperidade sem crescimento, como será o único caminho possível de seguir.
Depois de ficar marginalizada durante os anos do entusiasmo pela globalização neoliberal e pelo aparente triunfo do capitalismo na sequência da queda da União Soviética, a ideia do Decrescimento teve um novo impulso nos anos 2000, em França. Em 2002, a revista Silence dedica uma edição especial a “La décroissance” e em 2007, o economista francês Serge Latouche publica o seu “Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno” (Petit Traite de la Décroissance Sereine). Ainda nesse mesmo ano, a associação académica internacional “Research & Degrowth” inicia a sua atividade, seguindo-se em 2008 a 1ª Conferência Internacional sobre Decrescimento, em Paris, que se tem vindo a realizar com periodicidade bienal desde então. Em 2018, alguns ativistas juntaram-se para criar a Rede para o Decrescimento em Portugal.
Dada a inviabilidade do presente sistema económico perante os desafios de justiça social e ambiental num contexto de catástrofe climática em curso, o movimento do Decrescimento tem vindo a desenvolver, com base na investigação de vários núcleos académicos existentes, na Península Ibérica nomeadamente em Barcelona e Coimbra, propostas políticas que visam, em primeiro lugar, abandonar o crescimento do produto interno bruto (PIB) como indicador do bem-estar humano, uma vez que este mede todas as atividades económicas, independentemente do seu benefício social ou para o equilíbrio do planeta.
Do ponto de vista decrescentista, a distribuição dos orçamentos de carbono remanescentes para cumprir o Acordo de Paris pelos vários países, terá de observar princípios básicos de justiça e equidade, tanto no que diz respeito a futuras emissões como às emissões já acumuladas desde a revolução industrial. Será necessário ter em conta uma partilha de esforço entre países, com reduções mais acentuadas nos países do Norte Global e aumentos passageiros nos países do Sul Global, para permitir atingir níveis de desenvolvimento adequados, de acordo com o proposto pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano e Antropoceno, para alcançar a transformação justa sem exceder os limites biofísicos do planeta.
Atualmente, a classe média / média-alta do Norte global e as elites do Sul global detêm o domínio social e político, determinando os hábitos de consumo a seguir e são responsáveis pela maior parte do excesso da utilização de recursos. Torna-se óbvio que o equilíbrio do sistema é frágil: um corte da oferta de energia (fóssil) ou até uma pandemia podem fazer desmoronar as bases da existência social e material, sendo necessário criar resiliência através da organização social e da exploração de recursos locais.
No entender da Rede para o Decrescimento, a inovação tecnológica é relevante, desde que acompanhada pela mudança de paradigma do sistema. Contudo, um enfoque exclusivo na inovação terá como consequência principal a perpetuação de um sistema assento no crescimento exponencial infinito, mesmo que seja sob o rótulo de “crescimento verde”.
Não nos podemos esquecer que não existem tecnologias absolutamente limpas ou livres de carbono quando utilizamos os minerais mais ou menos raros que existem na superfície da crosta terrestre, acessíveis à exploração humana. Tudo requer recursos para ser feito. A sugestão que é possível substituir a infraestrutura atual por uma infraestrutura livre de emissões, mantendo ou até aumentando o consumo energético não será, de todo, viável. Mais, o incremento da eficiência energética, por si só, não levará à diminuição absoluta do consumo do sistema no seu todo que se impõe. Enquanto muitas inovações tecnológicas são declaradas benéficas para o ambiente por aumentarem a eficiência do uso de recursos, já se reconhece o chamado efeito de ricochete (“rebound effect”). Devido à poupança de recursos devido à maior eficiência, os ganhos obtidos são depois gastos noutro local, não havendo diminuição efetiva dos recursos utilizados ou das emissões produzidas, podendo até haver um aumento das mesmas.
No entanto, muitas soluções são de baixa complexidade tecnológicas. Será necessário investir na investigação e no desenvolvimento desse tipo tecnologias. Por outro lado, já existem soluções, como é o caso da bicicleta, cuja utilização deve ser incentivada, promovendo a mobilidade suave, em detrimento do transporte individual de grande impacto ambiental onde movemos carros com mais de uma tonelada de peso para transportar uma única pessoa. Assim, por exemplo, os carros elétricos, supostamente com o rótulo “verde”, mas não devem ser subsidiados devido à sua enorme pegada ecológica.
Para o movimento do Decrescimento, a transição ambiental e socialmente justa da sociedade terá de tornar a democracia verdadeiramente participativa, promover a partilha do trabalho e implementar um rendimento máximo, fazendo ao mesmo tempo avançar uma reforma fiscal que beneficia atividades amigas do ambiente. Não poderá haver subsídios diretos e indiretos (através de benefícios fiscais) para atividades poluentes e, em particular, para indústrias extrativas e dependentes de combustíveis fósseis. Será também necessário definir limites ambientais absolutos em relação à extração de recursos ou à emissão de poluentes. As novas economias terão de ser mais regionais, não dependentes de longas cadeias de abastecimento, e favorecer, tendencialmente, a soberania energética e alimentar, num espírito de “intersuficiência”.
Este processo de transformação política e social, para além de diminuir a escala de produção e do consumo e reduzir o uso de materiais e gasto energético, também terá de melhorar a qualidade de vida dos muitos e não apenas de alguns poucos. Essa reorganização da sociedade basear-se-á nos princípios de autonomia, a nível individual e coletivo, de suficiência numa perspetiva de justiça distributiva a ter em mente as necessidades de todos e os limites biofísicos do planeta, e de cuidados que promove a solidariedade, a não-exploração e não-violência.
Mas, como o agroecologista brasileiro, Eurico Vianna, afirmou recentemente, “não temos uma transição a fazer, temos várias! A sociedade de consumo já ruiu. Vivemos hoje a sexta maior extinção em massa da história do planeta. O colapso já é uma realidade para a grande maioria negra, parda e pobre em todos os países. O nosso modelo económico baseado em crescimento infinito e objetificação da vida humana nos desconectou da natureza e sem essa ligação vivemos doentes.”
O planeta Terra está a tornar-se inabitável e a devastação da vida humana está à vista, ora ameaçada por inundações e autênticos dilúvios, ora num inferno de chamas, desde Portugal até à Austrália e à costa Oeste dos Estados Unidos. Já entramos no Antropoceno em que a espécie humana pode enfrentar a sua extinção. Apenas uma mudança profunda e sistémica vai permitir sair desta armadilha. No entanto, o Decrescimento não promove soluções assentes em grandes intervenções infraestruturais ou lideradas por interesses corporativos; propõe uma mudança baseada na participação política de todos, para construir sociedades autónomas, sóbrias e conviviais, onde a suficiência, a desaceleração e a redução do consumo permitem a partilha dos recursos por todos os seres humanos.
Considerando o papel central que a estabilidade climática assume a nível global, suas conexões transversais a todos os aspectos das atividades humanas e tomando como base os estudos científicos que apontam os limites biofísicos à expansão das intervenções humanas no sistema terrestre, essa lei deve estruturar as mudanças sistêmicas necessárias para que Portugal cumpra as metas acordadas internacionalmente e prepare-se para uma nova realidade geopolítica.
Há medidas de natureza ambiental, económica e social, que formam o tripé da sustentabilidade, e que devem ser tomadas imediatamente. Contudo, podem ter diferentes prazos para a consecução de seus objetivos. Assim, utilizando o horizonte de 2050 para o longo prazo, a lei deve estabelecer também objetivos de médio e curto prazo.
No que diz respeito à contabilização das emissões de gases com efeito de estufa para os efeitos a regular pela Lei de Bases do Clima, será necessário incluir, para além das emissões a ocorrer em território nacional, todas as emissões incorporadas em bens importados que resultam do seu transporte internacional e do próprio processo de produção e extração de matérias primas utilizadas. Para incluir adequadamente as emissões decorrentes do tráfego aéreo internacional com origem em solo português e do transporte marítimo internacional a partir de portos portugueses, a suas emissões de gases com efeito de estufa são de contabilizar no decurso de todo o trajeto até à aterragem ou atracagem, respetivamente, no aeroporto ou porto do destino.
Considerando a insustentabilidade dos atuais níveis de produção económica, de desigualdades sociais e de violência, as mudanças sistêmicas visadas implicarão a adoção de um novo paradigma de sustentabilidade e de qualidade de vida e a consequente substituição dos atuais indicadores de desenvolvimento.
As medidas deverão balizar-se pela valorização, regeneração e ampliação dos bens comuns geológicos, biológicos e mentais que não são propriedade pessoal, coletiva ou estatal, mas que são a fonte de que dependem as atividades produtivas. Também deverão impulsionar a economia para a redução das atividades de transformação e movimentação. Ambos os objetivos poderão ser perseguidos pela descentralização e redistribuição dos meios de produção e de organização social:
Há várias ameaças à sustentabilidade e soberania que ultrapassam os desafios da emergência climática em si e o risco que representa para a capacidade de produção alimentar em zonas expostas a temperaturas muito elevadas no Verão e à falta de água, como é o caso do Sul de Portugal. Não nos podemos esquecer da hipótese, não muito improvável, de uma nova pandemia zoonótica, agravada por uma maior concentração urbana. Também nos devemos preparar para a interrupção de importações e exportações pela instabilidade climática ou política, nomeadamente na consequência de uma maior dependência do comércio exterior. Esta economia global está também muito exposta a ataques terroristas ou militares a fábricas, portos e aeroportos, devido à grande concentração da produção de energia, bens e serviços.
Por conseguinte, o crescimento que devemos ambicionar até 2050 deve ser da autonomia individual, comunitária e nacional, que leva a maior independência, que leva a maior liberdade. Com uma melhor distribuição, pelo território e pela sociedade, não de dinheiro, mas de capacidade de produção e reprodução, aumentaremos a nossa resiliência, que é a capacidade de adaptação, fundamental para atravessarmos em paz e unidos os tempos atribulados que nos esperam.
Pelas razões acima elencadas, consideramos indispensável rejeitar todas os artigos incompatíveis com o objetivo de estabilidade climática e a necessária redução dos níveis de gases com efeito de estufa na atmosfera. Assim, consideramos necessário:
Reconhecemos, por outro lado, a oportunidade de vários artigos dos projetos apresentados, considerando de particular importância:
Para garantir a estabilidade climática, imprescindível para a presença de humanos neste Planeta, torna-se inevitável abdicar do crescimento económico exponencial e do seu indicador associado, o Produto Interno Bruto. Precisamos de novos indicadores, como o Indicador do Progresso Genuíno ou o Indicador do Desenvolvimento Humano, para medir o bem-estar de uma sociedade e de cada um dos seus membros, bem como a compatibilidade do seu funcionamento com os limites biofísicos da Terra, promovendo o acesso adequado aos bens básicos – alimentação, vestuário e habitação – e à participação democrática plena de cada pessoa. Este parecer traduz assim o reconhecimento desta realidade, propondo princípios básicos de uma Lei de Bases do Clima sob essa perspetiva, realçando ainda os aspetos valiosos dos oito projetos-lei apresentados.
À consideração da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, e do Grupo de Trabalho – Lei de Bases do Clima.
Lisboa, 26 de março de 2021
Pelo Círculo – Lei de Bases do Clima da Rede para o Decrescimento
Alcides Barbosa, Hans Eickhoff e Luís Camacho