Outgrow the System/Transformar o sistema
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Outgrow the System/Transformar o sistema

Outgrow the System/Transformar o sistema

O documentário Outgrow the System/Transformar o Sistema foi novamente exibido em Portugal. Já tinha sido exibido em Fevereiro, no encontro mensal do Núcleo de Lisboa da Rede para o Decrescimento. Desta vez, foi visualizado na Covilhã, no dia 28 de Maio, numa colaboração entre três organizações distintas, mas com pontos em comum: a Secção Temática Sociedade Civil, Economias Alternativas e Voluntariado da Associação Portuguesa de Sociologia, a CooLabora, CRL e a Rede para o Decrescimento.

O filme trata da necessidade urgente de uma mudança de sistema económico e destaca algumas propostas que podem contribuir para trilharmos caminhos alternativos, sugerindo que a transição do sistema que hoje domina o mundo será complexa, exigirá um pensamento aberto e interdisciplinar e uma mudança paradigmática.

Que teorias são pioneiras e avançam com propostas de mudança? Neste documentário, realizado em 2023, Cecilia Paulsson e Anders Nilsson vão à procura de outros sistemas económicos e fazem um mapeamento plural de propostas alternativas. O filme destaca especialmente cinco: a economia do donut, o decrescimento, a democracia económica, a economia participativa e o mundo sem fins lucrativos.

A economia do donut dá-nos uma imagem que ajuda a visualizar o espaço que fica entre dois círculos de limites que não deveriam ser ultrapassados. Por um lado, os limites biofísicos, fundamentais para a manutenção do planeta vivo e estável e, por outro, o círculo que tem como limite não deixar ninguém sem acesso aos bens essenciais à vida. Esta proposta assenta no equilíbrio entre a prosperidade e os limites planetários e propõe uma organização da vida económica capaz de colocar toda a humanidade dentro do espaço do donut.

A proposta do decrescimento, também abordada no documentário, assenta na redução do metabolismo da economia para que seja possível alcançar um estado sustentável estável, ou seja, para uma prosperidade sem crescimento económico contínuo. A proposta de redução e de posterior estabilização da economia, coloca no centro o bem-estar social e ecológico. Prevê que possam existir flutuações, já que haverá sectores e regiões que podem necessitar de crescer enquanto outras terão de diminuir o seu metabolismo. Esta reorganização da economia, coloca-a ao serviço de necessidades e prioridades sociais, contrariando o seu actual construto de autonomia face a outras dimensões da vida, como a política, a social, a cultural, ou outras.

O filme assinala a falácia do crescimento verde, que parte da ideia de que é possível dissociar o crescimento económico do crescimento das emissões de CO2, já que a investigação e a experiência atual demonstram que se trata de uma impossibilidade.

A democracia económica e as propostas da WEALL - Wellbeing Economy Alliance - são também sublinhadas neste documentário. A democracia económica destaca que, entre os poderes que hoje governam a economia, figuram empresas gigantes que os diferentes governos procuram atrair, competindo entre si. O enorme poder e a capacidade de lóbi dessas grandes empresas multinacionais levou à captura da democracia política em função dos seus interesses económicos. Esta alternativa económica propõe que o poder de decisão, hoje nas mãos destes gigantes, passe para as pessoas que são afectadas pelas decisões, isto é, para trabalhadores/as, público, consumidores/as. Defende que as empresas devem ser governadas pelas pessoas que nelas trabalham. Para a democracia económica é necessário encontrar mecanismos que permitam trazer para a mesa das discussões a natureza, as futuras gerações, ou seja, uma ideia de médio e longo prazos.

A quarta proposta destacada pelo filme, a economia participativa, procura uma outra via entre o mercado e o planeamento central, colocando produtores/as e consumidores/as no centro dos processos de decisão, para que a produção seja dimensionada para responder às necessidades da economia e não o contrário. A economia participativa valoriza os desejos e as necessidades de quem consome e de quem produz, ao invés da maximização dos lucros. Como vimos posteriormente no debate, tal acontece nas AMAP, as associações para a manutenção da agricultura de proximidade, também designadas CSA (Community Support Agriculture) no mundo anglófono.

Por fim, o mundo sem fins lucrativos, como seria de esperar, é uma proposta de remoção do lucro, substituindo-o pela prioridade ao benefício social. Defende a ética da suficiência e uma economia desenhada para satisfazer as necessidades, ou seja, uma produção limitada por estas, estabilizando a economia. Destaca as empresas sociais, como figura jurídica onde o excedente criado reverte para o reinvestimento na resolução de problemas sociais e, consequentemente, para aumentar o seu impacto social.

Após a exibição do documentário e da intervenção da realizadora Cecilia Paulsson, houve um intenso debate em torno do filme. Foi referida a importância de aprendermos também com a perspectiva das economias indígenas, que não se centram na ideia de recursos e da sua exploração, mas, antes, na abundância frugal. Foi sublinhada a necessidade de questionarmos e também de contrariamos a ideia de escassez, que nos é imposta pelo actual sistema.

No debate foi assinalada a relevância e a urgência de “sairmos da bolha” em que circulam estas propostas, isto é, de chegarmos a um público mais amplo, de encontrarmos ideias que coloquem as pessoas no centro, a partir da dimensão dos cuidados e  outros afectos,  que nos considerem na nossa dimensão mais humana e menos economicista.  Referido foi também o carácter construído dos pressupostos em que assenta o paradigma económico dominante, com relevo para a discussão entre o conceito de “recursos” (escassos) da abordagem capitalista  versus “bem comum” numa perspectiva colectivista e democrática.

Os e as participantes assinalaram que todas estas propostas têm em comum o trabalho colaborativo e uma economia mais participada. Contrariando o desalento ou a falta de acção, as experiências consistentes, que estão em curso em várias cidades do mundo, mostram que  há alternativas, ainda que nestas impere uma dose forte de experimentação.

No fecho do debate sublinhamos que face à insustentabilidade do nosso sistema económico, este documentário nos traz uma diversidade de perspectivas, sem que as coloque como mutuamente excludentes, antes, enfatizando dimensões distintas e complementares.

Concluímos que é importante que este debate não seja colocado num plano técnico, mas sim, na esfera política, porque se trata de escolhas. Foi referida a importância de politizarmos cada vez mais os processos, contrariando visões apocalípticas que promovem o medo e abrem a porta a ideias ditatoriais, porque é na mão das comunidades que devem estar as decisões sobre o sistema que realmente queremos. O documentário mostra exemplos de transformações locais e de movimentos de base, mas não contorna as dificuldades que surgem das limitações à capacidade de uma comunidade local ou mesmo de um país mudarem a economia, num mundo em que os sistemas estão interligados e exigem alterações  globais.  

Graça Rojão (CooLabora e Rede para o Decrescimento)

Cristina Parente (Instituto de Sociologia da Universidade do Porto/Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto)

Sílvia Ferreira (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/Centro de Estudos Sociais)

Link para o trailer do filme

Sugestão adicional: consultar a revista onlineOutras Economias”, cujo primeiro número teve a colaboração da Rede e onde são apresentadas algumas iniciativas económicas alternativas em Portugal - ver aqui.

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