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No preâmbulo do seu livro de referência Degrowth – A Vocabulary for a New Era (disponível em português aqui), Giacomo D’Alisa, Frederico Demaria e Giorgos Kallis (2015) definem Decrescimento da seguinte forma: “O Decrescimento é a rejeição da ilusão do crescimento e um apelo à repolitização do debate público que foi colonizado pela linguagem dos economistas. É um projeto que defende a redução democrática da produção e do consumo com o objetivo de alcançar a justiça social e a sustentabilidade ecológica.”
Mesmo que queiramos acrescentar a esta definição as vozes feministas e decoloniais que foram emergindo no movimento decrescentista, não parece haver dúvidas que se trata de um projeto que, na sua essência, visa a transformação coletiva e sistémica. Como Schmelzer et al. (2022) sublinham em The Future is Degrowth e seguindo Erik Olin Wright (2010), as estratégias complementares de transformação terão de incluir o seguinte: práticas económicas cooperativas, reformas políticas e institucionais, bem como táticas confrontativas, assembleias cidadãs e outras formas de organização autónoma (Schmelzer et al., 2022:34).
Isto contrasta, a meu ver de uma forma clara e inequívoca, com a linguagem introspetiva convidando a transformação individual que permeia o artigo de Serge Latouche: “A via do decrescimento é, portanto, acima de tudo, uma escolha. (…) É, em todo o caso, um caminho de saída da enorme decadência gerada pela sociedade do crescimento. Um caminho de saída para recuperar a estima de si mesmo."
Contraporia que a escolha de que Serge Latouche fala é sobretudo o privilégio de uma escolha. É um privilégio inacessível ao mundo maioritário (e a muitos no mundo minoritário), a quem não têm voz, e àqueles que são diariamente expropriados, no sentido literal e figurativo, e despojados da sua capacidade de agência e autonomia. Perante esta realidade, frases como o “decrescimento é um exercício de emancipação das próteses técnicas, uma libertação da servidão voluntária e um convite à autonomia”, a “via do decrescimento é a da crítica livre” e é “a da autolimitação e não do desencadeamento sem freios das paixões tristes” soam demasiado a escárnio e soberba. Jamais serão compatíveis com um projeto político coletivo que não só pretende alcançar o equilíbrio ecológico, mas também libertar aqueles a quem Frantz Fanon chamou “Os Condenados da Terra”. Aliás, como Moser & Kleinhückelkotten (2018) demonstraram, o impacto ecológico a nível individual ou do agregado familiar está sobretudo ligado ao estatuto socioeconómico e não às escolhas do estilo de vida “pro-ambiental” ou mudanças individuais. Isso é particularmente notório em relação às viagens aéreas que representam a maior pegada ecológica a nível individual (Alcock et al., 2017).
Assim, discordo, enquanto decrescentista, do enquadramento do Decrescimento como uma espécie de projeto de mudança pessoal que se cinge ao “imperativo kantiano tal como reformulado por Hans Jonas: Age de modo que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a Terra”. Esta conclusão do texto de Serge Latouche não é apenas uma perspetiva redutora para definir o que é o Decrescimento. É também uma perigosa deceção em relação ao alcance de mudanças individuais no contexto da civilização industrial terminal onde a maioria das pessoas é forçada a obedecer às suas regras para sobreviver. E é ainda a receita infalível para alienar todas as pessoas que não têm o privilégio da academia, de um emprego estável, ou de riquezas herdadas e poupanças acumuladas ao longo de uma vida com bons salários e reformas confortáveis.
Pelo contrário, a meu ver, o Decrescimento, enquanto projeto emancipatório e libertador, deverá aproximar-se das franjas da sociedade, da classe média-baixa empobrecida e de movimentos como a Vida Justa. Isso, sim, poderia contribuir para tornar o Decrescimento um projeto transformador.
Referências bibliográficas
Alcock, I., White, M. P., Taylor, T., Coldwell, D. F., Gribble, M. O., Evans, K. L., Corner, A., Vardoulakis, S., & Fleming, L. E. (2017). ‘Green’ on the ground but not in the air: Pro-environmental attitudes are related to household behaviours but not discretionary air travel. Global Environmental Change, 42, 136–147. https://doi.org/10.1016/j.gloenvcha.2016.11.005
D’Alisa, G., Demaria, F., & Kallis, G. (Eds.). (2015). Degrowth: A Vocabulary for a New Era. Abingdon: Routledge.
Moser, S., & Kleinhückelkotten, S. (2018). Good Intents, but Low Impacts: Diverging Importance of Motivational and Socioeconomic Determinants Explaining Pro-Environmental Behavior, Energy Use, and Carbon Footprint. Environment and Behavior, 50, 626–656. https://doi.org/10.1177/0013916517710685
Schmelzer, M., Vansintjan, A., & Vetter, A. (2022). The Future is Degrowth: A Guide to a World Beyond Capitalism. London: Verso Books.
Wright, E. O. (2010). Envisioning Real Utopias. London: Verso Books.