Documento elaborado por membros do Círculo de Comunicação da Rede para o Decrescimento
Foi convocada para o início de Novembro uma nova mobilização internacional sobre a emergência climática (convocatória nacional aqui) para coincidir com mais uma cimeira (a 26ª) das Nações Unidas sobre o clima – COP26, que decorrerá em Glasgow de 31 de Outubro a 12 de Novembro. A mobilização inclui um Dia de Ação Global no dia 7 e uma Cimeira Popular de 7 a 10 de Novembro. A convocatória internacional tem como tema central a questão da Justiça Climática, destacando que as populações que menos contribuíram para a crise climática global são as que serão mais prejudicadas pelos seus efeitos nocivos. O apelo à ação defende que a causa profunda das atuais crises globais é um sistema económico e político, injusto e desigual, que explora os mais pobres e o planeta pelos lucros, sem ter em conta os seus efeitos prejudiciais.
A Rede para o Decrescimento em Portugal tem estado solidária com as mobilizações nacionais e internacionais que, desde 2018, contestam a inação política perante a emergência climática, em particular as do movimento estudantil que organizou as Greves Climáticas ou as ações do movimento “Extinction Rebellion”. Nessas ocasiões tornámos pública a nossa posição enquanto decrescentistas, tendo instado estes movimentos a orientar as suas exigências para uma mudança radical de paradigma socioeconómico, impedindo que os interesses económicos se sobreponham aos interesses humanos e naturais e, desta forma, travando a destruição das condições de habitabilidade do planeta para humanos e não humanos.
A Rede para o Decrescimento tem-se pronunciado também sobre iniciativas institucionais a nível nacional relacionadas com a crise climática (ver p.ex. o parecer da Rede sobre a Lei de Bases do Clima ou a tomada de posição sobre o Plano de Recuperação e Resiliência) alertando para o facto de essas não enfrentarem a raíz do problema ao apresentarem soluções que apenas irão manter a sociedade industrial, mercantil, produtivista e extrativista que temos atualmente, com as mesmas consequências que já estamos a sentir. Substituir as ilusões do industrialismo carbónico pelas do ‘crescimento verde’ ou dos ‘empregos verdes’ é apenas uma forma de apaziguar a inquietação de quem exige ação imediata, sem, no entanto, romper com a lógica do sistema (ver p.ex. aqui ou aqui). Enquanto decrescentistas, acreditamos que são as próprias pessoas nas suas comunidades que devem formular coletivamente as mudanças necessárias através de processos de democratização radical, resistindo à ilusão de soluções tecnológicas milagrosas de última hora.
Estamos, por isso, em sintonia com a atual convocatória dos movimentos internacionais, nomeadamente quando critica as falsas ‘soluções verdes’ (que ainda não existem, não se adequam à escala do problema ou dependem da exploração continuada de pessoas e do planeta). Estamos igualmente em sintonia quando defende uma estratégia de ação climática baseada na justiça, na redistribuição de recursos e na descentralização do poder, envolvendo as populações mais desfavorecidas e afetadas na procura de soluções e nas tomadas de decisão. No entanto, propomos ir mais além para alcançar uma verdadeira transformação sistémica em tempo útil.
Concordamos que uma transição rápida para fontes de energia não poluentes e renováveis (solar, eólica e mini-hídrica) será imprescindível, mas esta terá de ser acompanhada por medidas de redução do consumo energético e não apenas de melhoria da eficiência energética que leva frequentemente ao aumento do consumo de recursos. Para além disso, os impactos negativos das energias alternativas a nível social e ambiental devem ser tidos em conta como, por exemplo, os projetos de mineração de lítio, em Portugal ou em qualquer outro local do mundo. Os transportes públicos e não poluentes devem ser promovidos, a par de medidas concretas de reforço e investimento na rede ferroviária nacional e internacional e na promoção do transporte ferroviário como alternativa ao transporte aéreo. Mas mais importante será aproximar o emprego e o local de residência para estimular o comércio local e reduzir ou limitar o transporte de pessoas e mercadorias de longa distância.
Defendemos que existem limitações e insuficiências dos acordos internacionais (ver também os relatórios sobre a lacuna de emissões e de produção do “Programa das Nações Unidas para o Ambiente”) que têm de ser desmascaradas de forma explícita: o facto das metas acordadas não serem vinculativas, a não inclusão das conclusões dos relatórios mais recentes do IPCC e IPBES, a não inclusão de limites para o transporte aéreo e marítimo nos acordos, a injustiça e ineficácia dos atuais mecanismos de taxação e de créditos de carbono.
Consideramos que as reivindicações devem incluir explicitamente a mitigação de outras dimensões interligadas da crise ecológica: a extinção de biodiversidade, a destruição de ecossistemas, a sobre-exploração de recursos, a desflorestação, a degradação e empobrecimento de solos agrícolas, entre outras. Devem ser tomadas medidas imediatas de desincentivo de práticas agrícolas e silvícolas insustentáveis (p.ex. a agropecuária industrial e o olival, amendoal, e eucaliptal intensivos e super-intensivos) estimulando ao mesmo tempo projetos de agroecologia ou agrofloresta, de promoção de floresta e variedades agrícolas autóctones, e da resiliência da floresta nacional a grandes incêndios florestais, nomeadamente através da implementação de paisagens em mosaico e da descontinuidade de grandes plantações monoculturais.
Consideramos ainda que a incapacidade de resolução da crise climática e ambiental não é somente uma questão de falta de vontade política de líderes e governantes, nem sequer será possível a sua mitigação apenas por via tecnológica. Tal requer o envolvimento de todas as pessoas que habitam o território no processo decisório, assim como mudanças transversais e profundas nos modelos sócio-económicos, nomeadamente no estilo de vida das populações privilegiadas dos países mais ricos do Norte global.
Para os decrescentistas, o nosso futuro comum exigirá imaginação, determinação e coragem para criar uma visão de como poderá ser o mundo daqui a 10 ou 15 anos. Um futuro com cidades convertidas para a presença humana e da natureza, despoluídas, com hortas e jardins comestíveis capazes de produzir localmente uma parte significativa dos alimentos, com economias centradas no comércio de proximidade e na reparação e reutilização. Comunidades florescentes, com menos horas de trabalho e mais bens culturais e conviviais, em vez da omnipresença do automóvel privado, do asfalto e do betão.
O Decrescimento não promove soluções assentes em grandes intervenções infraestruturais ou lideradas por interesses corporativos; propõe uma mudança baseada na participação política de tod@s, para construir sociedades autónomas, sóbrias e conviviais, onde a suficiência, a desaceleração e a redução do consumo permitam a partilha dos recursos por todos os seres humanos.
A Rede para o Decrescimento em Portugal, assim como as iniciativas de outros movimentos decrescentistas internacionais, estão a procurar traçar possíveis caminhos que nos possam levar a um futuro ambientalmente sustentável e socialmente convivial e justo, em que as verdadeiras necessidades e bem-estar de tod@s estejam assegurados, sem comprometer a sobrevivência das futuras gerações e das outras espécies com quem partilhamos o planeta.