No dia 26 de Setembro vão decorrer as eleições autárquicas em todo o território nacional sem que na maior parte dos municípios haja propostas convincentes para a necessária transformação radical e da sociedade, abolindo, uma vez por todas, o paradigma insustentável do crescimento económico e das soluções do “mercado”.
Os últimos relatórios dos Painéis Intergovernamentais para a Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES 2019) e para as Alterações Climáticas (IPCC 2018), bem como o relatório do grupo de trabalho publicado no passado mês de agosto, foram demolidores quanto à situação em que nos encontramos. O desastre parece iminente e apenas pode ser evitado com mudanças drásticas do nosso sistema económico e da forma como o Norte global e as elites do Sul global vivem. Contudo, desde o primeiro relatório do IPCC em 1990, e com todo o conhecimento adquirido desde então, pouco ou nada se fez. Estamos a chegar aos chamados pontos de viragem alarmantes que se podem tornar pontos de não retorno: aumento da captação de calor devido ao aumento do vapor de água na atmosfera, degelo polar acelerado com perda capacidade de refletir a luz solar, desestabilização do permafrost com libertação de metano, redução da produção agrícola devido à falta de água e perda de solo fértil, instabilidade política em regiões com reatores e armas nucleares.
Para o movimento do Decrescimento, a transição ambiental e socialmente justa terá de tornar a democracia verdadeiramente participativa, promover a partilha do trabalho e implementar um rendimento máximo, fazendo ao mesmo tempo avançar uma reforma fiscal que beneficie atividades regeneradoras dos ecossistemas. Não poderá haver subsídios diretos ou indiretos (através de benefícios fiscais) para atividades poluentes e, em particular, para indústrias extrativas e dependentes de combustíveis fósseis. Será também necessário definir limites ambientais absolutos em relação à extração de recursos ou à emissão de poluentes. As novas economias terão de ser mais regionais, não dependentes de longas cadeias de abastecimento, e favorecer, tendencialmente, a soberania energética e alimentar, num espírito de “intersuficiência”.
Este processo de transformação política e social, para além de diminuir a escala da produção e do consumo, e de reduzir o uso de materiais e gasto energético, também terá de melhorar a qualidade de vida dos muitos e não apenas de alguns poucos. Essa reorganização da sociedade basear-se-á nos princípios de autonomia, a nível individual e coletivo, de suficiência numa perspetiva de justiça distributiva que tenha em mente as necessidades de todos e os limites biofísicos do planeta, e do cuidado que promova a solidariedade, a não-exploração e a não-violência.
É difícil encontrar esses princípios nas propostas eleitorais em qualquer dos partidos ou coletivos que concorrem às eleições autárquicas, nomeadamente nos grandes centros urbanos. Talvez por isso, alguns membros da Rede para o Decrescimento decidiram que era altura de avançar.
Paulo Mendonça veste literalmente a camisola da Rede para o Decrescimento na sua candidatura pelo PAN a uma Junta de Freguesia de Oeiras.
Também em Montemor-o-Novo, o movimento cidadão Montemor-o-Vivo concorre com membros da Rede - Pascale Millecamps, Guilherme Serôdio - nas suas listas. O movimento destaca-se pelo uso de democracia directa na sua organização.
Ana Poças é candidata à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia pelo partido Livre. Aumentar a mobilidade suave nesta zona é um aspecto chave na sua proposta, assim como incentivar a participação da população nas decisões do municipio.
Estes exemplos podem servir de inspiração no momento do voto e, sobretudo, de incentivo à participação, que pode ser concretizada de outras formas:
Nunca é suficiente apenas votar, e a participação política não se esgota no voto. Por regra, estamos tão estafados na correria do dia-a-dia que, para além do voto, não dá para muito mais (será essa a ideia do “sistema” e de quem o concebeu?).
Para além da política partidária, há outras formas de intervir no espaço público e tornar-se agente da mudança necessária, desde movimentos cívicos a associações. Existem propostas de democracia directa e de participação por sorteio em Assembleias de Cidadãos, ou experimentando ainda outras formas para chegar a uma decisão, por exemplo o modelo de decisões por consenso.
A contra-sociedade decrescentista construir-se-á a partir das bases e através de uma participação cidadã radicalmente democrática.