O decrescimento pressupõe a existência de um nível de consumo ou de necessidades suficiente. Este é um dos seus valores fundamentais. Na 7ª sessão do ciclo "Crescer até Rebentar?" não discutiremos o que é suficiência, mas como ela é determinada socialmente. Se adotarmos como referência os limites biofísicos planetários (limits to growth) ou as necessidades biológicas humanas, remeteremos à autoridade da ciência essa definição. Contudo, isso seria aplicado numa média global? Segundo um padrão universal? Reduzir-se-ia o consumo ou as pessoas? Empurrar para a ciência essa definição, apesar de inicialmente soar confortável, apenas retarda o momento em que será preciso reconhecer a sua natureza política. Cabe à sociedade definir qual é o nível de desigualdade e injustiça que tolera no presente e quanto admite prejudicar gerações futuras pelo seu conforto. E isso não se refere só a humanos, mas a toda a cadeia da vida. Em essência, é uma decisão moral que, para ser pacificamente adotada, precisa de legitimidade. No nosso contexto (europeu-português), o decrescimento opta inequivocamente pela democracia: cabe a todos decidirem em igualdade e liberdade. A democracia como auto-limitação consciente. Porém, as formas que tomam esses processos de decisão (e o que se entende por democracia) podem ser mais ou menos próximas de outros dois valores fundamentais do decrescimento: autonomia e cuidado.
Uma democracia com autonomia implica agir com a consciência de que as instituições são criações da própria sociedade, que cabe a ela autocriar e autoinstituir. Certamente, não se concebe uma sociedade autónoma se não o forem também os seus indivíduos. A política democrática deve procurar eliminar todas as formas de dominação (subordinação, opressão, coerção e alienação), principalmente as invisivelmente hegemónicas, como a especialização. Será isso possível numa democracia direta e, se for, em que condições (de escala, de recursos etc)? Será isso possível num sistema representativo e, se for, em que condições (de transparência, de responsabilidade etc)? Que modelos ou experiências podem apontar caminhos? Uma democracia baseada no cuidado implica decidir com solidariedade, buscando uma redução geral nas vulnerabilidades. Além da “desespecialização”, implica a adoção de instrumentos conviviais, passíveis de serem apropriados por qualquer pessoa e de possibilitar a manifestação da empatia, da compaixão e da criatividade. Será isso possível em processos assembleários e, se for, em que condições (de regimento, de facilitação etc)? Será isso possível num sistema de participação em consultas e conselhos e, se for, em que condições (de comunicação, de acessibilidade etc)? Que modelos ou experiências podem apontar caminhos?
Leitura sugerida: https://www.greeneuropeanjournal.eu/democracy-degrowth-and-the-politics-of-limits/