De 15 – 17 de maio decorreu a conferência Beyond Growth no Parlamento Europeu1, organizada por 20 eurodeputadas e eurodeputados de 5 grupos parlamentares, desde Os Verdes até aos liberais do Renew Europe e aos conservadores do European People’s Party. A conferência atraiu mais de 2.000 participantes presenciais e mais de 4.000 participantes online, excedendo as expetativas mais otimistas da equipa organizadora. Assim, Philippe Lamberts, deputado d’Os Verdes belgas e rosto da organização, salientou que, desta vez, nem a Comissão Europeia nem a presidência do Parlamento Europeu quiseram ficar de lado, tendo a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, e a Presidente do Parlamento, Roberta Metsola, participado na abertura da conferência.
No vídeo do plenário inaugural (nota: há uma falha de som nos primeiros minutos) podem ouvir-se as excelentes intervenções de Philippe Lamberts, um decrescentista (quase) confesso, diria, que, aliás, estará em Zagreb, na 9ª Conferência Internacional de Decrescimento. Mas interessa também assistir às intervenções de Roberta Metsola (a defender a necessidade de mais crescimento!) e, sobretudo, de Ursula von der Leyen que se referiu várias vezes ao relatório ao Clube de Roma sobre os Limites ao Crescimento e questionou o PIB como indicador do bem-estar, citando as famosas palavras de Robert Kennedy, professadas durante a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos em 1968, que o PIB “mede tudo, menos aquilo que é valioso” (recomendo, de resto, ouvir o excerto do discurso de Robert Kennedy sobre o PIB aqui (decrescentista q. b.). Mesmo que Ursula von der Leyen ainda defenda, institucionalmente, o crescimento verde e apenas os limites ao crescimento fóssil, já se notaram algumas fissuras interessantes no pensamento hegemónico. Mas foi a intervenção dinâmica de Sandrine Dixson-Declève, copresidente do Clube de Roma, a par da intervenção de Jason Hickel, no seu registo habitual, que deu o mote para a conferência. Tudo a não perder, como também a intervenção da ativista pela justiça climática Adelaïde Charlier. Notou-se, aliás, a preocupação por parte da organização de envolver o movimento climático durante toda a conferência.
Para quem não tiver muito tempo, recomendo algumas sessões como, por exemplo, o painel organizado pela eurodeputada portuguesa Marisa Matias sobre as relações com o Sul global ou, melhor dizendo, com o mundo maioritário, tendo-se reclamado de forma muito incisiva a necessidade de descolonização em conjunto com Decrescimento (com participação de Jason Hickel, Raj Patel, Lebohang Liepollo Pheko e Ritu Verma).
Outra sessão excelente, talvez a melhor, a meu ver, foi a sessão sobre os limites do consumo de recursos, muito emocional até, com participação da cientista e autora principal do IPCC, Yamina Saheb, para além de Stientje van Veldhoven, do World Resource Institute, do conhecido decrescentista Timothée Parrique da Universidade de Lund (Suécia), e de Olivia Lazard, do think tank Carnegie Europe (com uma intervenção interessante que focou nas consequências geopolíticas da ‘transição energética’), bem como do Comissário Europeu para o Ambiente, o Mar e a Pesca, Virjinijus Sinkevicius, com moderação do liberal da Renew Europe, Martin Hojsik, que quase ficou sem palavras.
Depois ainda recomendo a sessão plenária sobre a compreensão dos limites biofísicos ao crescimento para construir uma economia que respeita os limites planetários, moderada por Fiona Harvey do Guardian, com participação de Johan Röckstrom (por vídeo), Julia Steinberger, e Farhana Sultana (também por vídeo), entre outras.
O plenário final contou, para além de Tim Jackson (‘Prosperity without Growth’) e da socióloga Dominique Meda, entre outras, com uma forte (e muito aclamada) intervenção da ativista climática e decrescentista Anuna de Wever (17:52:15) que também esteve presente no programa da Euronews “Do debate à política: Como tornar a Europa próspera e sustentável?”. Por fim, coube ao Philippe Lamberts encerrar o evento e fazer os agradecimentos, com particular destaque para a luso-francesa Léa das Neves Bicho.
Em resumo, a conferência foi não apenas excelente, mas ‘energizante’ (pelo menos foi o que eu senti durante esses dias em Bruxelas), com um surpreendente apoio institucional e multipartidário, incluindo a participação da presidente da Comissão Europeia e vários dos seus outros membros, dando-lhe mais peso institucional. Até os serviços de pesquisa do próprio parlamento se debruçaram, pela primeira vez, sobre o tema, tendo publicado um sumário e uma versão mais completa. Por ocasião da conferência, também o European Environmental Bureau, uma rede de ONGAs europeias, lançou uma publicação Imagining Europe Beyond Growth, exigindo a transição democrática para uma sociedade de pós-crescimento que vai para além das narrativas do crescimento verde (pode ser descarregada aqui).
Como Philippe Lamberts realçou numa das suas intervenções finais, as instituições europeias já estão bastante mais avançadas no que diz respeito ao questionamento do PIB como indicador do bem-estar e da necessidade da sua abolição, havendo, no entanto, pouca abertura a nível dos parlamentos e governos dos estados-membros. No entanto, espera-se que, talvez, a conferência possa ter contribuído para que se iniciassem as conversas a nível nacional. Pessoalmente, saí de Bruxelas com a sensação que existe algum momento. Mesmo que no início da conferência a ‘nossa’ eurodeputada Marisa Matias ainda se tenha mostrado cética quanto à recetividade a nível nacional (ver o vídeo acima), penso que a situação possa vir a ser outra agora. Como afirmou Sandrine Dixson-Declève na sua intervenção de abertura, após a conferência será crucial passar das palavras à ação para, como disse Philippe Lamberts, introduzir este debate nas decisões políticas. Façamos então a nossa parte!
Nota final: Devido à interrupção do serviço ferroviário entre Lisboa e Hendaia em março de 2020, tive de fazer a viagem de autocarro (30 horas, aproximadamente). Mas há algum tempo, a Back-on-Track, com o apoio da campanha ATERRA, lançara uma petição que exige a reposição das ligações ferroviárias entre a península ibérica que ainda pode (e deve) ser assinada aqui.
1 No primeiro dia da conferência foi publicada uma carta aberta para apelar à União Europeia, às suas Instituições e aos Estados-Membros para implementar uma economia de pós-crescimento. A carta aberta fora subscrita por mais de 150 coletivos e organizações incluindo a Rede para o Decrescimento, a par de mais de 250 académicos e ativistas.