Texto publicado originalmente no facebook do CIDAC – O Antes, o Agora e o Depois, 11 Maio 2020.
Em boa hora o CIDAC decidiu voltar a disponibilizar os seus registos documentais da vinda a Portugal em Março de 2012, a seu convite, de Serge Latouche, reconhecido pensador e activista do movimento decrescentista em França. A conferência proferida na Gulbenkian e o seminário que deu no CIDAC, para além do seu livro ‘Pequeno tratado do decrescimento sereno’ que li na altura, foram a minha porta de entrada para o pensamento decrescentista, que tenho vindo a consolidar desde então e que se concretizou mais recentemente com o lançamento da Rede para o Decrescimento, da qual sou co-coordenador.
A consciência de que estávamos a assistir ao agravamento de uma crise ecológica global, cuja causa profunda estava ligada a um sistema económico que exercia uma pressão insustentável sobre os recursos naturais e provocava a destruição de diversos ecossistemas, já estava presente em mim nessa altura. No entanto, as ligações ao modelo de desenvolvimento ocidental intensificado no pós-guerra da 2.ª metade do séc. XX e ao paradigma tecnológico e industrial, extractivista e produtivista, vigente desde a revolução industrial, tornaram-se ainda mais claras.
O pensamento decrescentista, que se consolidou principalmente na Europa a partir do início dos anos 2000 entre académicos e investigadores das ciências sociais e políticas, em particular das áreas da ecologia política e da economia ecológica, tem vindo a produzir conhecimento e reflexão sobre as crises ecológica e social que se agudizaram com a globalização das políticas económicas neoliberais das últimas décadas. Para além de fazerem uma crítica ao modelo socioeconómico dominante, ambientalmente insustentável e socialmente injusto, baseado no crescimento permanente da produção e do consumo, e na mercadorização e financeirização económica desreguladas, os decrescentistas têm vindo a apresentar alternativas. Entre elas, destacam-se a relocalização das actividades económicas, a redução dos horários de trabalho e a redução da produção e consumo de bens e serviços para níveis sustentáveis, promovendo a frugalidade e simplicidade voluntárias mas garantindo mecanismos de equidade e justiça social.
Fazendo a ponte para o momento presente, as medidas de mitigação da pandemia da COVID-19, que envolveram uma redução abrupta e forçada das actividades económicas, têm sido equiparadas com o decrescimento. No entanto, não correspondem à transformação planeada e socialmente justa que o movimento decrescentista propõe. O que a pandemia tornou visível foram a insustentabilidade e fragilidade do sistema económico e financeiro globalizado, dada a sua dependência do consumo supérfluo e da movimentação incessante de pessoas, mercadorias e capitais. As propostas decrescentistas de incentivar ecossistemas económicos cooperativos e locais poderão contribuir para evitar uma retoma do sistema económico convencional e para mitigar os impactos económicos e sociais nefastos da recessão económica que está iminente. De referir que o decrescimento rejeita as estratégias da ‘economia verde’ e do desenvolvimento sustentável que surgem como alternativas progressistas, mas que não põem em causa o paradigma do crescimento económico. O decrescimento propõe modos de vida baseados numa ética do cuidado, da frugalidade e da suficiência, e numa gestão equilibrada e participativa dos bens comuns, conducentes não só ao aumento dos níveis de satisfação emocional e psicológica, individual e colectiva, como também dos bens relacionais e conviviais.