No dia 26 de janeiro de 2024 terminou o prazo da consulta pública do relatório ambiental da Comissão Técnica Independente (CTI) e o parecer da Rede para o Decrescimento é categórico: a aviação representa a forma de transporte que mais prejudica o clima e qualquer novo projeto aeroportuário é incompatível com a imprescindível redução da emissão de gases com efeito de estufa e com a preservação e restauração dos ecossistemas e da biodiversidade que suportam a vida humana e não humana na Terra. Como membro da rede internacional Stay Grounded, a Rede para o Decrescimento apoia a revindicação de um sistema de mobilidade justo e da rápida redução do tráfego aéreo.
Em outubro de 2022, o Conselho de Ministros mandatou a Comissão Técnica Independente para realizar uma análise multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa. No entanto, esta missão da CTI padece de um equívoco fundamental, dado que é imperativo reduzir a aviação por razões climáticas, ambientais, de saúde pública e sociais.
Apesar de o Acordo de Paris ser omisso em relação às emissões do tráfego aéreo internacional, não se pode continuar com a farsa infantil de fazer de conta que as suas emissões desaparecem milagrosamente desde que não sejam contabilizadas. Apenas a implementação de limites em relação ao número de voos movidos a combustíveis fósseis em todos os aeroportos nacionais permite que se cumpra o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 e a Lei de Bases do Clima de forma consequente, com a contabilização de todas as emissões do tráfego aéreo internacional com origem em aeroportos portugueses.
A Rede para o Decrescimento exige ainda a redução imediata do número de voos no Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa com vista ao seu encerramento definitivo, uma vez que a operação atual deste aeroporto prejudica gravemente a saúde da população local, pondo em causa o seu direito ao bem-estar e qualidade de vida, consagrado no artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa. O nível de poluição sonora associada à operação aeroportuária viola de forma grave e reiterada a legislação em vigor, nomeadamente o Regulamento-Geral do Ruído, excedendo largamente as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
O parecer da Rede para o Decrescimento alerta também para a sobre-exploração turística da cidade de Lisboa, associada ao número de passageiros do Aeroporto Humberto Delgado, que é lesiva dos direitos da população residente, designadamente no que diz respeito ao direito à habitação e à vida social.
Torna-se urgente repensar o futuro do sector da aviação de uma forma radicalmente diferente. O relatório “Decrescimento da Aviação – Reduzir as viagens aéreas de forma justa”, resultado de uma conferência internacional que teve lugar em julho de 2019 em Barcelona e juntou mais de 150 peritos e ativistas, sem que um único voo tenha sido tomado pelos participantes presenciais ou por videoconferência, sublinha que é preciso reduzir o tráfego aéreo se quisermos manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC, conforme inscrito no Acordo de Paris, e assegurar que o planeta Terra continue habitável para a espécie humana.
O relatório propõe medidas para reduzir a aviação de uma forma justa e sustentada que incluem a eliminação de isenções fiscais sobre o querosene, sobre os bilhetes e o IVA, bem como a aplicação de uma taxa de carbono adequada, para acabar com os benefícios atuais da aviação que absurdamente permitem voar a preços baixos e colocar em desvantagem as alternativas de mobilidade mais sustentáveis. Essas medidas devem ainda fazer os passageiros frequentes pagar mais, através de uma tarifa específica, para desincentivar a utilização do avião e financiar alternativas, reduzindo e suprimindo a aviação privada e voos de curta distância (como os voos dentro de Portugal e da Península Ibérica) que podem ser substituídos por viagens de comboio (diurnos e noturnos).
No entanto, embora essas medidas possam contribuir para a redução da aviação, é imprescindível fixar metas para a efetiva diminuição de voos a nível nacional e, de forma mais drástica, nos aeroportos que colocam a saúde da população em risco e não cumprem a legislação em vigor, como é o caso do Aeroporto Humberto Delgado em Lisboa.