Artigo de Richard Heinberg publicado a 21 Novembro de 2022 no 'site' do Post Carbon Institute (original aqui). Tradução de Alcides Barbosa
Este ensaio é dedicado à memória de Herman Daly, o pai da economia ecológica, que começou a escrever sobre o absurdo do crescimento económico perpétuo na década de 1970; Herman morreu a 28 de Outubro aos 84 anos.
Políticos e economistas falam com entusiasmo sobre crescimento. Querem que as nossas cidades e o PIB cresçam. Empregos, lucros, empresas e indústrias devem crescer; se não o fizerem, há algo errado e devemos identificar o problema e corrigi-lo. No entanto, poucos discutem o tempo de duplicação, embora seja um conceito essencial para entender o crescimento.
O tempo de duplicação ajuda-nos a compreender o significado físico do crescimento - que, de outra forma, aparece como um número de aparência inócua que denota a taxa anual de variação. Com 1% de crescimento anual, qualquer quantidade dobra em cerca de 70 anos; com crescimento de 2%, em 35 anos; a 7 por cento, em 10 anos, e assim por diante. Basta dividir 70 pela taxa de crescimento anual e tem-se uma boa noção do tempo de duplicação. (Porquê 70? É aproximadamente o logaritmo natural de 2. Mas não é preciso saber matemática avançada para fazer cálculos úteis de tempo de duplicação.)
Eis porque deixar de pensar em termos de tempo de duplicação nos causa problemas. A maioria dos economistas parece acreditar que uma taxa de crescimento anual de 2% a 3% para as economias é saudável e normal. Mas isso implica um tempo de duplicação de aproximadamente 25 anos. Quando uma economia cresce, ela usa mais materiais físicos – tudo, desde árvores até titânio. De fato, a economia global duplicou de tamanho no último quarto de século, assim como a extração mundial total de materiais. Desde 1997, utilizámos mais da metade dos recursos não renováveis extraídos desde a origem do ser humano.
À medida que a economia cresce, ela também gera mais lixo. Nos últimos 25 anos, a quantidade de resíduos sólidos produzidos globalmente disparou de cerca de 3 milhões de toneladas por dia para cerca de 6 milhões de toneladas por dia.
Além disso, se a economia continuar a crescer ao ritmo atual, nos próximos 25 anos iremos aproximadamente duplicar a quantidade de energia e materiais que usamos. E daqui a 50 anos, a nossa utilização de energia e materiais terá duplicado novamente e, portanto, será quatro vezes maior do que os níveis atuais. Em cem anos, estaremos a usar 16 vezes mais. Se essa mesma taxa de crescimento de 2 a 3% persistisse por mais um século, no ano 2222 estaríamos a usar cerca de 250 vezes a quantidade de recursos físicos que usamos agora e geraríamos cerca de 250 vezes mais resíduos.
O crescimento populacional também pode ser descrito em termos de duplicações. A população humana global duplicou três vezes nos últimos 200 anos, passando de mil milhões em 1820 para 2 mil milhões em 1927, para 4 mil milhões em 1974, e para 8 mil milhões hoje. A maior taxa de crescimento foi na década de 1960, acima de 2% ao ano; essa taxa agora caiu para 1,1 por cento. Se o crescimento continuar no ritmo atual, teremos cerca de 18 mil milhões de pessoas na Terra até o final deste século.
Tudo isso seria bom se vivêssemos num planeta que estivesse em expansão, duplicando também as suas quantidades disponíveis de minerais, florestas, pesca e solo a cada quarto de século, e duplicando a sua capacidade de absorver resíduos industriais. Mas não. É essencialmente o mesmo planeta belo, mas finito, que girava no espaço muito antes da origem dos humanos.
Os jovens podem pensar em 25 anos como muito tempo. Mas, dados os séculos necessários para regenerar uma floresta madura, ou os milénios necessários para produzir alguns centímetros de solo fértil, ou as dezenas de milhões de anos que a natureza levou para produzir combustíveis fósseis, 25 anos é comparativamente um piscar de olhos. E nesse piscar de olhos, o já enorme impacto da humanidade nos ecossistemas finamente equilibrados da Terra duplica.
Como os recursos são finitos, a duplicação das taxas de extração da humanidade não pode durar para sempre. Os economistas tentam contornar esse problema levantando a hipótese de que o crescimento econômico pode eventualmente ser dissociado de um maior uso de recursos. De alguma forma, de acordo com esta hipótese, o PIB (essencialmente uma medida da quantidade de dinheiro que flui pela economia) continuará a subir, mas gastaremos o nosso dinheiro adicional em bens intangíveis em vez de produtos feitos de material físico. Até agora, porém, as provas mostram que a dissociação não ocorreu no passado e que é improvável que aconteça no futuro. Mesmo as criptomoedas, aparentemente os bens mais efémeros, acabam por ter uma enorme pegada material.
Enquanto continuarmos sempre em busca do crescimento económico, estaremos no caminho certo para tentar duplicar mais a extração de recursos e o descarte de resíduos. Mas, em determinado momento, vamos ser incapazes de o fazer. Quando essa duplicação final falhar, uma série de expectativas será frustrada. Os fundos de investimento falirão, o incumprimento da dívida disparará, as empresas declararão falência, muitos empregos serão perdidos e os políticos ficarão roucos a culparem-se uns aos outros pelo fracasso em manter a economia em expansão. Na pior das hipóteses, milhões de pessoas podem morrer de fome e nações podem entrar em guerra por quaisquer recursos que restem.
Ninguém quer que isso aconteça. Portanto, é claro, ajudaria saber quando a última duplicação começará, para que possamos reajustar as nossas expectativas. Temos um século ou dois para pensar sobre tudo isto? Ou a duplicação final e malfadada já começou?
Prevendo o início da duplicação final - é complicado!
Um dos problemas com a aceleração exponencial do consumo é que os sinais de alerta de escassez iminente de recursos tendem a aparecer muito perto do momento da escassez real. Durante a duplicação final, a humanidade estará a usar os recursos nas taxas mais altas da história - então provavelmente parecerá para a maioria das pessoas que tudo está indo bem, justamente quando todo o empreendimento humano está a ir direito a um precipício.
Tentar descobrir exatamente quando chegaremos ao precipício é difícil também porque as estimativas de recursos são maleáveis. Escolhamos um único recurso mineral - minério de cobre. O Serviço Geológico dos EUA estima as reservas globais de cobre em 870 milhões de toneladas métricas, enquanto a procura anual de cobre é de 28 milhões de toneladas. Então, dividindo o primeiro número pelo segundo, fica claro que temos 31 anos de cobre sobrando nas taxas atuais de extração. Mas ninguém espera que a taxa global de mineração de cobre permaneça a mesma nos próximos 31 anos. Se a taxa de extração crescesse 2,5% ao ano, as reservas atuais acabariam em apenas 22 anos.
Mas esta é uma análise simplista. Minérios de cobre de teores mais baixos, que atualmente não são considerados comercialmente viáveis, são abundantes; com esforço e despesa adicionais, esses recursos poderiam ser extraídos e processados. Além disso, certamente há mais cobre a ser descoberto. Uma evidência importante a esse respeito é o facto de que as reservas de cobre cresceram em alguns anos, em vez de diminuir. (Por outro lado, o Fórum Económico Mundial apontou que o custo médio de produção de cobre aumentou mais de 300% nos últimos anos, enquanto o teor médio do minério de cobre caiu 30%.)
E se reciclássemos todo o cobre que usamos? Bem, certamente devíamos tentar. Mas, desconsiderando impedimentos práticos, existe a dura realidade de que, enquanto as taxas de uso continuarem a crescer, precisaremos sempre de novas fontes do metal, e a taxa a que vamos esgotandoo as reservas aumentará.
Se tudo isto falhar, ainda existem outros metais que podem servir como substitutos do cobre. No entanto, esses outros metais também estão sujeitos a esgotamento e alguns deles não funcionam tão bem quanto o cobre para aplicações específicas.
Em suma, a situação é complicada o suficiente para que seja difícil estimar uma data confiável para o “pico do cobre”, ou para quando a escassez de cobre causará sérios problemas económicos. Essa incerteza, generalizada a todos os recursos naturais, leva alguns optimistas a concluírem erradamente que a humanidade nunca enfrentará uma escassez de recursos.
Mas o problema é o seguinte: se a extração continuar a crescer cerca de 3% ao ano para um determinado recurso, qualquer subestimação não diminuirá por muitos anos. Isso deve-se ao poder de extração em crescimento exponencial. Por exemplo, digamos que um analista subestime as reservas de ‘unobtanium’[1]em 50%. Por outras palavras, há duas vezes mais ‘unobtanium’ no solo do que o analista previu. A data da última extração de ‘unobtanium’ será apenas 25 anos depois do que foi previsto. Subestimar a abundância de um recurso em três quartos implica uma data de esgotamento apenas 50 anos antes.
Já entrámos na duplicação final
O esgotamento de recursos não é o único limite para o crescimento contínuo da empresa humana. A mudança climática é outra ameaça capaz de parar a civilização no seu caminho.
O nosso planeta está a aquecer como resultado das emissões de gases de efeito estufa – poluentes produzidos principalmente pelo nosso sistema energético. Os combustíveis fósseis, a base desse sistema, são fontes baratas de energia densamente armazenada que revolucionaram a sociedade. É devido aos combustíveis fósseis que as economias industriais cresceram tão rápido nas últimas décadas. Além de causarem mudanças climáticas, os combustíveis fósseis também estão sujeitos ao esgotamento: campos de petróleo e minas de carvão esgotam-se geralmente numa questão de décadas. Portanto, praticamente ninguém espera que as sociedades ainda se abasteçam de carvão, petróleo ou gás natural daqui a um século; de fato, alguns especialistas antecipam problemas de abastecimento de combustível dentro de anos.
A principal solução para a mudança climática é que a sociedade altere as suas fontes de energia – i.e. que abandone os combustíveis fósseis o mais rápido possível e os substitua por energia solar e eólica. No entanto, essas fontes alternativas de energia exigem infraestruturas (painéis, turbinas, baterias, redes expandidas e novas máquinas elétricas, como carros e camiões elétricos) que devem ser construídas com minerais e metais, muitos dos quais são raros. Alguns especialistas em recursos duvidam que existam minerais suficientes para construir um sistema de energia alternativa numa escala suficientemente grande para substituir o nosso atual sistema energético movido a combustíveis fósseis. Simon Michaux, do Serviço Geológico Finlandês declara categoricamente que “as reservas globais não são suficientes para fornecer os metais necessários para construir o sistema industrial de energias renováveis”. Mesmo que as estimativas de recursos de Michaux sejam muito pessimistas, provavelmente ainda não é realista imaginar que um sistema de energias renováveis seja capaz de duplicar de tamanho pelo menos uma vez, muito menos a cada 25 anos para sempre.
Então, se outra duplicação da economia global é impossível, isso significa que a última duplicação já está em andamento, e talvez até chegando ao fim.
É melhor antecipar a duplicação final cedo demais do que tarde demais, porque levará tempo para desviar as expectativas do crescimento contínuo. Teremos que repensar as finanças e o planeamento governamental, reescrever contratos e (talvez) até desafiar alguns dos preceitos básicos do capitalismo. Tal mudança pode facilmente levar 25 anos. Portanto, deveríamos começar – ou já deveríamos ter começado – a preparação para o fim do crescimento no início da duplicação final, num momento em que ainda parece a muitos que a energia e os recursos são abundantes.
Relocalizar, reduzir, reparar e reutilizar. Construir resiliência. Tornarmo-nos o mais possível independentes da economia monetária, de todas as maneiras concebíveis.
[1] Termo usado para designar um material ideal para uma aplicação específica, mas cuja obtenção seja impraticável.