A abundância frugal de Serge Latouche, uma breve súmula
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A abundância frugal de Serge Latouche, uma breve súmula

Ao ler o livro do Serge Latouche, “A abundância frugal como arte de viver, Felicidade, gastronomia, e Decrescimento”, editado em 2020, agora traduzido para português em Abril de 2023 pela Almedina, Edições 70, apetece fazer uma súmula de “coisas” importantes, seguindo uma ordem alfabética.
A abundância frugal de Serge Latouche, uma breve súmula

ALIMENTAÇÃO

A alimentação representa uma parte importante do projeto do decrescimento. É falsa ideia de que haverá redução na produção, incluindo a dos produtos agrícolas e portanto o aumento da fome, e de que será muito austera, pelo contrário, a agricultura produtivista, com a sua alimentação globalizada é que cria malnutrição, degradação na dieta alimentar, e descartáveis sem fim. Os excessos do sobreconsumo e do desperdício terá de ser combatido por frugalidades, mas que não significam um ascetismo imposto.

CARACOL

O caracol, símbolo internacional do movimento decrescentista, dá-nos duas lições de sabedoria. A primeira, é a da necessária lentidão, a segunda decorre do facto dos organismos vivos terem limites intrínsecos. A espiral da sua casca tem a proporção adequada à sua dimensão corpórea, há uma recusa do crescer ilimitado, não são obesos.

DECRESCIMENTO

A visão do decrescimento é regressar à sabedoria milenar da limitação das necessidades para reencontrar a abundância na frugalidade, para que seja possível construir um futuro sustentável,um estado de satisfação.

É tempo de restabelecer a convivialidade, re-urdindo os laços sociais desfeitos pela concorrência económica, que se traduz na escassez e na carestia das coisas essenciais, ar puro, água natural potável, alimentação saudável, espaços verdes, e habitação.

Há que resolver as situações de miséria material e moral que resultam em especial dos antagonismos de classes. A convivialidade permitiria a compatibilidade de um individualismo autêntico a que nos é impossível renunciar, e da solidariedade necessária à existência de uma comunidade.

Uma sociedade decente ou convivial não deve produzir excluídos.

A ruptura do projecto do decrescimento é criar uma abundância frugal numa sociedade solidária, romper com o cliché do desenvolvimento duradouro, é construir uma alternativa à sociedade de consumo ecologicamente insustentável, eticamente discutível e socialmente insuportável. É oferecer razões para viver com sentido, com alegria.

O decrescimento não é à partida um conceito, sobretudo não é simétrico do crescimento, implica uma descolonização do imaginário e a concretização de outro possível mundo. Pretende ser um projecto de sociedade que implica sair da economia como realidade e discurso imperialistas.

Para falar com rigor deveria ser utilizada a palavra adecrescimento, tal como se fala de ateísmo, de abandono de fé e de uma religião, de nos tornarmos ateus do crescimento e da economia.

O aparecimento de um movimento radical que propõe uma alternativa real à sociedade de consumo e ao dogma do crescimento, surge perante o triunfo do ultraliberalismo e a proclamação arrogante do famoso TINA (there is not no alternative) de Margaret Thatcher.

Essa alternativa implica sair do círculo infernal da criação ilimitada de necessidades e de produtos, e da frustração que gera egoísmo e uma massificação uniformizante. A sua concretização implica autolimitaçao de modo a alcançar a abundância frugal, e a reabilitação do espírito da dádiva e promoção da convivialidade.

ECONOMIA

A economia é uma religião, em que a lógica do crescimento é encarada como a essência de economicidade.

Os custos ocultos designados pelos economistas como externalidades negativas, não são tidos em conta. O PIB é a pseudo felicidade quantificada. A generosidade e mesmo a simpatia são excluídas do jogo económico sob pena de impedirem a obtenção do óptimo.

Se o crescimento e o desenvolvimento do Norte conseguiram dar a ilusão, sobretudo durante os Trinta Gloriosos (1945-1975), de concretizar uma certa forma de justiça, através da subida estatística do nível de vida médio, portanto, permitindo alguma realização da Vida Boa, não aconteceu o mesmo no Sul.

Verifica-se tristemente que quando o conjunto dos ocidentais dizem justiça na verdade devemos ler just us, apenas para nós.

ÉTICA

Podemos interrogar-nos sobre a ética que convém para a vida boa, conciliando felicidade pessoal e o bem comum. A via do decrescimento é uma abertura, um convite a descobrir outro mundo possível, não apenas futuro hipotético, mas que se encontra em nós, implicando uma ruptura cultural necessária e que tem implicações sobre a vida pessoal.

Constitui um caminho de saída, para recuperar a auto-estima, reencontrando uma inserção harmoniosas num meio natural e humano, não será a felicidade garantida, mas o fim da infelicidade obrigatória.

Há que construir uma sociedade mais justa e democrática, fundada na auto-limitação das necessidades, na resistência ao consumismo cúmplice da banalidade económica, no sentimento universalmente partilhado que se experimenta pelo simples facto de nos sentirmos vivos e em harmonia com o cosmos.

FELICIDADE

O campo semântico de cada um dos termos utilizados nas várias línguas indo-europeias para dizer “felicidade” é sensivelmente diferente em função do contexto cultural e histórico ( bonheur, hapiness, felicita, jubilación, Gluck não são absolutamente equivalentes)

Perseguição da felicidade como um objetivo que não tem fim.

Deveríamos ser bons jardineiros, ao invés de predadores, revalorizando a lentidão, reagindo contra a obsessão da velocidade, reabilitando a pobreza mas distinguindo-a da miséria material e moral.

FRUGAL

A frugalidade foi uma forma digna para todas as sociedades, tinha um valor positivo. Agora a lógica económica moderna transformou a sobriedade tradicional em valor negativo, destruindo a esfera vernácula que permitia a subsistência de modos autónomos. É preciso por em causa o dilema infernal fundador da economicização do mundo entre escassez e abundância.

LIXO

A sociedade dita desenvolvida assenta na produção maciça de resíduos, ou seja, numa perda de valor e numa degradação generalizada tanto das mercadorias, que a aceleração do descartável transforma em refugo, quanto dos seres humanos excluídos, despedidos, desempregados, aos sem abrigo e outros dejetos humanos.

O melhor dejeto é aquele que não foi produzido, não é aquele que melhor se descarta, é aquele que a sociedade não cria.

MODERNIDADE

O programa da modernidade, que deu origem à sociedade do crescimento, não alcança a maior felicidade para o maior número. A ideologia da felicidade exige um crescimento de consumo de bem-estar, estabelecendo o terreno favorável para a eclosão de novas necessidades, pondo questões de aquisição de bens e de serviços que tornem a vida concreta mais agradável e confortável.

Consequentemente para preencher o vazio do absurdo do ciclo consumista, trabalhar, produzir, vender, saciar a fome, afastar-se da miséria, tornar-se proprietário, enriquecer, acumular, ganhar o máximo possível de dinheiro, constituem os valores de referencia.

Foram precisos dois séculos de destruição frenética do planeta graças ao “bom governo” da mão invisível e do interesse individual erigido em divindade, para que os economistas redescobrisse estas verdades elementares, de que os poetas, os escritores e os filósofos sempre proclamaram, de que, a minha felicidade reside em aumentar a dos outros, é preciso a felicidade de todos para se ser feliz. (André Gide)

Em que lugar está hoje o bem estar social harmonioso, em que cada um dos elementos, do mais rico ao mais pobre, pode encontrar a sua realização pessoal?

PIB

Tudo o que se pode vender e que tem valor acrescentado monetário vai alimentar o PIB e o crescimento, independentemente de isso aumentar ou não o bem-estar individual e colectivo.

Não tem em consideração a coragem, a integridade, a sabedoria, mede tudo excepto aquilo que faz que a vida valha a pena ser vivida.

Porque motivo todos os dias os Alpes entre a França e a Itália são atravessados por oito mil camiões para transportar a água San Pellegrino para França e a água Evian para Itália? Do ponto de vista do decrescimento, a relocalização é não apenas necessária no plano económico, mas sobretudo como higiene mental, intelectual e espiritual.

SOCIEDADE

A sociedade em que vivemos é dominada por uma economia do crescimento, que não é sustentável porque colide com os limites da biosfera, destruindo a natureza de forma impiedosa, e cujos valores exaltam, o ganhar dinheiro, a concorrência, a competitividade, a vontade de ser bem sucedido a qualquer preço, esmagando os outros.

Os programas em curso e incentivados por falácias, correspondem aos da modernidade, o que representa uma traição às suas próprias promessas. O acesso aos bens de qualidade é limitado a uma minoria, e o consumo de massas não origina a felicidade prometida à maioria, estando, à partida, garantido um crash ecológico.

Uma sociedade fundada na avidez e na competição produz necessariamente uma massa imensa de perdedores, de abandonados, e dos resignados, logo os frustrados. No limite, com a guerra de todos contra todos, há apenas um vencedor, potencialmente feliz, mas pelo seu estatuto precário, fica condenado aos horrores da ansiedade, aos tormentos da frustração, do ciúme e da inveja.

TEMPO

A destruição do mundo concreto criada pelo produtivismo da sociedade de consumo, conduz ao esmagamento do tempo, à artificialização e dessacralização da vida, em que o tempo livre tornou-se absurdo, algo de insuportável.

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